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Piglia recria tragédia policial em 'Plata Quemada'
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
"Plata Quemada", o novo romance de Ricardo Piglia, parece
assinalar a aproximação do escritor, um dos mais importantes da
Argentina, com o grande público.
Vencedor do prestigioso prêmio
literário Planeta, o livro já vendeu
mais de 30 mil exemplares na Argentina desde seu lançamento, no
final do ano passado, e agora vai
ser levado ao cinema).
"Nunca um livro meu vendeu a
essa velocidade", disse o autor à
Folha, por telefone, de Princeton,
Estados Unidos, onde leciona literatura como professor visitante.
O romance "Plata Quemada"
("dinheiro queimado"), que será
publicado este ano no Brasil pela
Companhia das Letras, reconstitui
um episódio dramático da crônica
policial portenha: em 1965, um
bando meio mambembe assalta
um banco em San Fernando, província de Buenos Aires, e foge para
Montevidéu, no Uruguai.
Cercados pela polícia, eles resistem durante horas e, num gesto de
desespero, botam fogo no dinheiro roubado. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo escritor:
Folha - Sua literatura é muito
centrada na própria linguagem.
No caso de "Plata Quemada", o sr.
viu na abordagem de um fato real
a possibilidade de fazer um outro
tipo de experiência narrativa?
Ricardo Piglia - Exatamente.
Por um lado, vejo o livro como
uma experimentação com a linguagem, uma tentativa de trabalhar com distintas vozes, distintos
registros, e com uma perspectiva
antiliterária, no sentido de contrária a certa retórica estetizada da literatura. Voltar a uma espécie de
língua mais direta, mais dura.
Por outro lado, me interessou
muito a possibilidade de trabalhar
sobre um fato real. Estou sempre
trabalhando sobre a tensão entre
ficção e realidade.
Creio que isso está também em
meus livros anteriores. Mas, neste
caso, tentei ver o que acontece se a
gente parte de uma história já existente.
Folha - O que me impressionou
em "Plata Quemada" é que o sr.
mantém a continuidade temporal
do relato, mas mudando a todo
momento de ponto de vista e de
voz narrativa. O sr. escreveu muitas vezes o texto até chegar a essa
forma final?
Piglia - Sim. Esse era, de certa
forma, o desafio para mim. Tentar
dar movimento a uma situação em
que, embora ela fosse cheia de
ação, o que me interessava era demover essa ação, dar-lhe ambiguidade, dar espessura aos personagens.
Eu diria que, para mim, a chave
foi um enigma: como funciona a
consciência de um personagem
desse tipo?
Em versões anteriores eu havia
centrado toda a história no apartamento. Na primeira versão, escrevi todo o livro concentrado no cerco policial. Numa outra versão,
começava a história no momento
em que os assaltantes são surpreendidos trocando a chapa do
carro e ficam perdidos em Montevidéu.
Até que, por fim, me dei conta de
que devia contar a história desde o
início, começando antes do assalto
e contando-a de um modo mais
tradicional, com essa forma tão
clássica que tem o gênero, a da
preparação de um assalto.
À medida que fui fazendo essas
versões, percebi que teria que manejar um narrador múltiplo, com
um ponto de vista que se movesse
para diversos lados.
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