São Paulo, sábado, 28 de março de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Piglia recria tragédia policial em 'Plata Quemada'

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"Plata Quemada", o novo romance de Ricardo Piglia, parece assinalar a aproximação do escritor, um dos mais importantes da Argentina, com o grande público.
Vencedor do prestigioso prêmio literário Planeta, o livro já vendeu mais de 30 mil exemplares na Argentina desde seu lançamento, no final do ano passado, e agora vai ser levado ao cinema).
"Nunca um livro meu vendeu a essa velocidade", disse o autor à Folha, por telefone, de Princeton, Estados Unidos, onde leciona literatura como professor visitante.
O romance "Plata Quemada" ("dinheiro queimado"), que será publicado este ano no Brasil pela Companhia das Letras, reconstitui um episódio dramático da crônica policial portenha: em 1965, um bando meio mambembe assalta um banco em San Fernando, província de Buenos Aires, e foge para Montevidéu, no Uruguai.
Cercados pela polícia, eles resistem durante horas e, num gesto de desespero, botam fogo no dinheiro roubado. Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo escritor:

Folha - Sua literatura é muito centrada na própria linguagem. No caso de "Plata Quemada", o sr. viu na abordagem de um fato real a possibilidade de fazer um outro tipo de experiência narrativa?
Ricardo Piglia -
Exatamente. Por um lado, vejo o livro como uma experimentação com a linguagem, uma tentativa de trabalhar com distintas vozes, distintos registros, e com uma perspectiva antiliterária, no sentido de contrária a certa retórica estetizada da literatura. Voltar a uma espécie de língua mais direta, mais dura.
Por outro lado, me interessou muito a possibilidade de trabalhar sobre um fato real. Estou sempre trabalhando sobre a tensão entre ficção e realidade.
Creio que isso está também em meus livros anteriores. Mas, neste caso, tentei ver o que acontece se a gente parte de uma história já existente.
Folha - O que me impressionou em "Plata Quemada" é que o sr. mantém a continuidade temporal do relato, mas mudando a todo momento de ponto de vista e de voz narrativa. O sr. escreveu muitas vezes o texto até chegar a essa forma final?
Piglia -
Sim. Esse era, de certa forma, o desafio para mim. Tentar dar movimento a uma situação em que, embora ela fosse cheia de ação, o que me interessava era demover essa ação, dar-lhe ambiguidade, dar espessura aos personagens.
Eu diria que, para mim, a chave foi um enigma: como funciona a consciência de um personagem desse tipo?
Em versões anteriores eu havia centrado toda a história no apartamento. Na primeira versão, escrevi todo o livro concentrado no cerco policial. Numa outra versão, começava a história no momento em que os assaltantes são surpreendidos trocando a chapa do carro e ficam perdidos em Montevidéu.
Até que, por fim, me dei conta de que devia contar a história desde o início, começando antes do assalto e contando-a de um modo mais tradicional, com essa forma tão clássica que tem o gênero, a da preparação de um assalto.
À medida que fui fazendo essas versões, percebi que teria que manejar um narrador múltiplo, com um ponto de vista que se movesse para diversos lados.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.