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Pletnev traduz Chopin com técnica e virtuose
WILLIAM LI
especial para a Folha
Filho de músicos, Mikhail Pletnev começou a estudar piano cedo. Aos 21 anos, venceu o Concurso Internacional Tchaicovsky, o
que lhe valeu convites para recitais
e concertos pelo mundo, incluindo um recital para Gorbachev e
Bush em Washington em 1990.
Em 1980 iniciou sua carreira de
regente e, em 1990, fundou a Orquestra Nacional Russa. Desde então tem gravado com ela diversas
obras para a Deutsche Grammophon. Este é o seu primeiro CD solo, totalmente dedicado a Chopin.
A música de Chopin tem recebido neste século uma diversidade
de tratamentos e tivemos grandes
intérpretes que recriaram sua
obra, como Paderewsky, Arrau,
Pollini, Argerich e Pogorelich.
Este não é o caso de Pletnev, o
que já pode ser evidenciado na
primeira faixa do CD, a "Fantasia
op. 49", uma das obras primas
mais complexas de Chopin. Desde
o início em forma de marcha seguido por tempestuosas seções intermediárias -interrompidas
momentaneamente por calmos
interlúdios cantantes- até seu
exaltado e triunfante clímax, ela
nos revela um Chopin heróico e
épico, bem diferente do Chopin
miniaturista das valsas, noturnos
e estudos. Na interpretação de
Pletnev tudo soa muito medido,
pouco espontâneo, e cada seção
parece uma música diferente, faltando unidade e coerência. São
frequentes os contrastes exagerados entre violência e delicadeza,
típicos da escola russa. Em alguns
trechos da "Fantasia", Pletnev
chega a massacrar o piano.
Pletnev se sai melhor no "Chopin de salão", tal como na "Valsa
Brilhante op. 34 nº 1", de estrutura
menos complexa e mais uniforme,
e onde todo o seu virtuosismo é
posto em evidência. O mesmo
acontece com a interpretação da
"Valsa em mi menor op. post.",
além das "Écossaises op. 72 nº 3".
Já a ultra-romântica "Valsa em lá
menor op. 34 nº 2" mereceu uma
interpretação apenas límpida e
técnica, mas onde falta o ingrediente principal: a emoção.
Com relação à técnica, não é de
se estranhar que Pletnev se saia
muito bem na interpretação dos
"Estudos" (op. 10 nº 5, op. 25 nºs 6
e 7). Aí, todo seu virtuosismo e sua
brilhante técnica se revelam de
maneira indiscutível. Mas na
abordagem da "Sonata nº 3 em si
menor op. 58" ocorre algo semelhante à interpretação da "Fantasia op. 49". Encontramos aí a mesma falta de equilíbrio e maturidade na interpretação, onde predomina a pura técnica e o virtuosismo. E aqui, mais uma vez, Pletnev
chega a extremos de violência e
delicadeza, deixando faltar coerência à obra. Compare-se à lírica
e poética interpretação de Pollini
da mesma obra, lançada anos
atrás pela mesma Deutsche Grammophon e o leitor entenderá melhor o que quero dizer.
Enfim, pode-se dizer que Pletnev é um típico expoente da escola
russa da interpretação pianística:
muita ênfase na técnica e uma interpretação muito pensada e trabalhada, mas que sobretudo exagera nos contrastes pretendendo
com isso ser original. Mas nem
por tudo isso deixa de valer a pena
ouvir o CD, principalmente para
conferir o fantástico virtuosismo e
técnica de Pletnev, principalmente
nos "Estudos" e "Valsas".
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