São Paulo, sábado, 28 de março de 1998

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Pletnev traduz Chopin com técnica e virtuose

WILLIAM LI
especial para a Folha

Filho de músicos, Mikhail Pletnev começou a estudar piano cedo. Aos 21 anos, venceu o Concurso Internacional Tchaicovsky, o que lhe valeu convites para recitais e concertos pelo mundo, incluindo um recital para Gorbachev e Bush em Washington em 1990.
Em 1980 iniciou sua carreira de regente e, em 1990, fundou a Orquestra Nacional Russa. Desde então tem gravado com ela diversas obras para a Deutsche Grammophon. Este é o seu primeiro CD solo, totalmente dedicado a Chopin.
A música de Chopin tem recebido neste século uma diversidade de tratamentos e tivemos grandes intérpretes que recriaram sua obra, como Paderewsky, Arrau, Pollini, Argerich e Pogorelich.
Este não é o caso de Pletnev, o que já pode ser evidenciado na primeira faixa do CD, a "Fantasia op. 49", uma das obras primas mais complexas de Chopin. Desde o início em forma de marcha seguido por tempestuosas seções intermediárias -interrompidas momentaneamente por calmos interlúdios cantantes- até seu exaltado e triunfante clímax, ela nos revela um Chopin heróico e épico, bem diferente do Chopin miniaturista das valsas, noturnos e estudos. Na interpretação de Pletnev tudo soa muito medido, pouco espontâneo, e cada seção parece uma música diferente, faltando unidade e coerência. São frequentes os contrastes exagerados entre violência e delicadeza, típicos da escola russa. Em alguns trechos da "Fantasia", Pletnev chega a massacrar o piano.
Pletnev se sai melhor no "Chopin de salão", tal como na "Valsa Brilhante op. 34 nº 1", de estrutura menos complexa e mais uniforme, e onde todo o seu virtuosismo é posto em evidência. O mesmo acontece com a interpretação da "Valsa em mi menor op. post.", além das "Écossaises op. 72 nº 3". Já a ultra-romântica "Valsa em lá menor op. 34 nº 2" mereceu uma interpretação apenas límpida e técnica, mas onde falta o ingrediente principal: a emoção.
Com relação à técnica, não é de se estranhar que Pletnev se saia muito bem na interpretação dos "Estudos" (op. 10 nº 5, op. 25 nºs 6 e 7). Aí, todo seu virtuosismo e sua brilhante técnica se revelam de maneira indiscutível. Mas na abordagem da "Sonata nº 3 em si menor op. 58" ocorre algo semelhante à interpretação da "Fantasia op. 49". Encontramos aí a mesma falta de equilíbrio e maturidade na interpretação, onde predomina a pura técnica e o virtuosismo. E aqui, mais uma vez, Pletnev chega a extremos de violência e delicadeza, deixando faltar coerência à obra. Compare-se à lírica e poética interpretação de Pollini da mesma obra, lançada anos atrás pela mesma Deutsche Grammophon e o leitor entenderá melhor o que quero dizer.
Enfim, pode-se dizer que Pletnev é um típico expoente da escola russa da interpretação pianística: muita ênfase na técnica e uma interpretação muito pensada e trabalhada, mas que sobretudo exagera nos contrastes pretendendo com isso ser original. Mas nem por tudo isso deixa de valer a pena ouvir o CD, principalmente para conferir o fantástico virtuosismo e técnica de Pletnev, principalmente nos "Estudos" e "Valsas".



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