São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2000


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CINEMA "AS CINZAS DE ANGELA"

Parker faz da redenção um espetáculo

BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

Alan Parker era o diretor ideal para filmar "As Cinzas de Angela", best seller autobiográfico de Frank McCourt, que ganhou o prestigioso prêmio Pulitzer de 1996.
Parker é o cineasta que faz da redenção e do sucesso um espetáculo. O grande drama de seus filmes costuma ser a luta para passar do inferno ao paraíso. E o que emociona é sempre o sucesso dos personagens nessa passagem.
Em "O Expresso da Meia-Noite", o protagonista luta para escapar de uma prisão turca para a liberdade do mundo ocidental.
Em "Fama" e "Os Commitments -Loucos Pela Fama", os personagens lutam para sair do anonimato para o reconhecimento, a realização e o êxtase da celebridade em uma cultura de mercado. No filme "Evita", uma mulher luta para escapar de sua classe social, por meio da ascensão ao poder.
Em todos os casos, a redenção vem do sucesso de quem consegue escapar ao meio em que se encontra. Parker é um cineasta da mobilidade social e do arrivismo. O que comove em seus filmes é a vontade e a determinação de seus personagens, tão mais bem-sucedidos quanto pior for o meio de onde tentam escapar.
Em "As Cinzas de Angela", esse meio é a Irlanda católica do entre-guerras. Um lugar atrasado e preconceituoso, cenário de um integrismo religioso onde não pára de chover, onde as crianças morrem de frio e de fome, onde as ruas são sombrias e enlameadas e aos homens, na falta de emprego, só resta se embriagar.
É daí que Frank McCourt vai escapar, com sucesso, para os Estados Unidos, depois de uma infância miserável e uma adolescência das mais penosas.
"As Cinzas de Angela" são as lembranças dessa infância e adolescência. Como em "O Expresso da Meia-Noite", Parker faz um espetáculo interminável do sofrimento e da miséria (quando você acha que já está muito ruim é sinal que ainda pode ficar pior) como forma de reforçar o sentimento catártico de libertação ao final.
É um tipo de relação masoquista que se estabelece entre o espectador e o filme. Você sabe que, ao final, o protagonista conseguirá fugir de tudo aquilo, então não se incomoda -e até sente prazer- de ver as coisas indo de mal a pior.
Tudo começa em Nova York, para onde o casal McCourt (Angela é a mãe) emigrou, seguindo o fluxo de tantas outras famílias irlandesas miseráveis.
Quando a filha recém-nascida morre, em 1935, o casal já sem um tostão resolve voltar para a Irlanda com os outros três filhos pequenos (Frank é o mais velho).
Instalam-se em Limerick, num bairro que só não pode ser chamado de favela porque as casas são de pedra.
A miséria continua com Angela parindo um filho atrás do outro, crianças que vão morrendo de fome e frio, enquanto o marido desempregado gasta o pouco que tem com bebida.
"As Cinzas de Angela" é uma homenagem póstuma à mãe de Frank McCourt, morta em 1981. É também um elogio da imaginação contra a sordidez da realidade. É graças ao poder de sua imaginação que o autor consegue sobreviver ao seu meio.
Alan Parker filma só o sofrimento, porque neste caso o próprio relato autobiográfico da miséria, futuro best seller premiado, já é a promessa da redenção.


Avaliação:   

Filme: As Cinzas de Angela (Angela's Ashes)
Direção: Alan Parker
Produção: EUA/Irlanda, 1999
Com: Emily Watson, Robert Carlyle e Joe Breen
Quando: a partir de hoje, nos cines Jardim Sul 2, Pátio Higienópolis 1 e Villa Lobos 7


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