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MÚSICA
Pacote traz gravações antigas dos astros cubanos Compay Segundo, Ibrahim Ferrer e Rubén González
CDs desafiam mitos de "Buena Vista"
CARLOS CALADO
especial para a Folha
Um pacote com quatro CDs,
que a gravadora Velas vai distribuir às lojas na próxima semana,
prova que nem tudo o que foi
alardeado sobre o disco "Buena
Vista Social Club" -responsável
pelo recente "boom" mundial de
música cubana- era verdade.
Originalmente editados pela
Egrem (a gravadora estatal de Cuba), esses CDs mostram que o
guitarrista norte-americano Ry
Cooder, produtor de "Buena Vista Social Club", desempenhou um
papel bem mais modesto que o de
Cristóvão Colombo musical, delineado por grande parte da mídia
internacional.
Você certamente já viu esse filme antes. Para chegar aos mercados dos EUA e da Europa, músicos talentosos do Terceiro Mundo precisaram ser apoiados por
alguém de prestígio internacional. Foi assim com o veterano tropicalista Tom Zé, "descoberto"
pelo músico e produtor David
Byrne. Foi assim com o grupo sul-africano Ladysmith Black Mambazo e com o bloco afro-baiano
Olodum, ambos "revelados" pelo
cantor Paul Simon.
Cooder declarou em entrevistas
que as canções do CD "Buena
Vista" ainda estavam à espera de
serem gravadas. Uma inverdade
tão grande quanto a publicada em
artigo da revista "Bravo!", em fevereiro último, afirmando que o
"son" (o gênero mais característico da música cubana) chegou a
ser proibido na ilha de Fidel. Sem
dúvida, o "son" viveu um período
de pouca popularidade a partir
dos anos 60, mas jamais foi proibido.
O CD "Raíces" -uma antologia montada com gravações anteriores das mesmas 14 canções que
compuseram "Buena Vista Social
Club"- prova que Cooder estava, no mínimo, mal informado
sobre os antecedentes do repertório que "descobriu" em Havana.
Nas gravações de "Raíces", algumas dessas canções aparecem, inclusive, nas vozes dos mesmos intérpretes.
Esse é o caso do simpático Ibrahim Ferrer, 72, que surge acompanhado pelo conjunto Los Bocucos, cantando sua "De Camino a
La Vereda" e "Ay Candela" (de
Faustino Oramas), em versões
que, graças à ênfase nos metais,
soam até mais vibrantes que a de
"Buena Vista".
Reveladoras também são duas
versões de "Chan Chan", a composição do carismático cantor e
violonista Compay Segundo, 92,
que se tornou hit internacional ao
abrir tanto o CD "Buena Vista"
como o belíssimo documentário
homônimo de Wim Wenders
-atualmente em cartaz nos cinemas do país.
Não é preciso conhecimento
musical para perceber, com uma
simples audição, que a versão
produzida por Cooder é bastante
próxima à que Segundo e seu grupo já haviam feito antes (infelizmente, o encarte não informa a
data). A maior diferença está no
trompete que, em vez de pontuar
a introdução da canção, só entra
ao final da faixa.
Já a versão de "Chan Chan" que
aparece no CD "Chanchaneando" (em gravação de 1989), com
Segundo e Eliades Ochoa, soa
mais próxima ainda à de "Buena
Vista", exceto pelo andamento
mais rápido.
Resumindo: em vários casos, o
trabalho de Ry Cooder consistiu
em regravar canções que já tinham sido registradas antes pelos
mesmos intérpretes de "Buena
Vista", com arranjos semelhantes, nos mesmos estúdios da gravadora estatal cubana.
Por outro lado, é evidente que,
não fosse o sucesso internacional
de "Buena Vista", a Egrem dificilmente lançaria uma compilação
como "Raíces", mesmo que esta
reúna nomes de grande expressão
na música da ilha. Exatamente como no Brasil, em Cuba não há
uma política de preservação de
catálogo. Com poucas exceções,
no mercado da ilha encontra-se
somente as gravações mais recentes e comerciais.
Mas seria injusto estender essa
crítica à Velas, a única gravadora
brasileira que investiu em música
cubana até hoje. Mais de 30 títulos
do gênero já foram lançados por
esse selo desde 1995, introduzindo ao público brasileiro nomes de
primeira, como Bola de Nieve,
Chucho Valdés & Irakere, Beny
Moré, Cachao, Emiliano Salvador
e NG La Banda.
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