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ANÁLISE
"Beijo" exprime desejo de reestruturar família
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
De dentro de seu espelho
psicodélico, Mina (Cláudia
Raia) anuncia que, nos próximos
e últimos capítulos de "O Beijo do
Vampiro", vai procurar reconquistar Rodrigo (Alexandre Borges), afinal, Pandora, a vampirinha filha do casal de vampiros,
precisa de uma família.
Efeitos, figurinos e trama em
grande estilo prometem a recomposição convencional que alimenta o gênero. Mas os casais que
se anunciam sugerem tolerância
rara nos dias que correm. Predominam as esquisitices de personagens que fizeram o sucesso da
história.
Amélie (Betty Goffman) engravida de Bartô (Tato Gabus), e ficamos imaginando que bicho nascerá do cruzamento da vampira
pós-punk com o músico frustrado que parece voltar a pé de
Woodstock.
A troca sensual de carícias suntuosas entre Victor (Gabriel Braga
Nunes) e Marta (Júlia Lemmertz)
desafia a ira de Nosferatu (Ney
Latorraca) que, de dentro da estatueta em que foi transformado,
promete rir por último.
A iminência do confronto final
no interior do campo vampiresco,
entre o bem e o mal, mobiliza figuras "vilãs" significativamente
mais interessantes que os humanos "bonzinhos". Com destaque
para o Boris de Tarcísio Meira, o
patriarca comandante que incorre em simpáticos ataques de fragilidade quase infantil.
Em se tratando de novela, o percurso dos personagens em direção a um final que nunca se sabe
exatamente quando e como será é
tão ou mais importante que o desenlace da trama. E essa foi uma
trajetória bem-sucedida.
A longa temporada da novela de
Antonio Calmon -que começou
na última semana de agosto do
ano passado- dá a medida do
sucesso do folhetim-comédia-fantasia recheado de efeitos especiais simples.
Desaparecimentos e reaparecimentos, personagens imobilizados em miniaturas de cerâmica,
cruzamentos impuros entre vampiros e humanos reafirmam marcas do estilo do autor, mestre em
criar ambientes com tom de fábula que, no entanto, se ancoram em
dilemas candentes da vida contemporânea.
Não é à toa que as criaturas que
povoam o universo vampiresco
da novela, talvez não tão esdrúxulo quanto possa parecer, revelam
por fim seu desejo de recompor
núcleos familiares em tempos em
que a fragmentação impera. A
conferir.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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