São Paulo, sábado, 28 de abril de 2007

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Dois vultos, duas torres

Premiado com o Pulitzer, Lawrence Wright usa, no livro "O Vulto das Torres", o terrorista Osama bin Laden e um ex-agente do FBI para humanizar a história que levou ao 11 de Setembro

Andrew Miller/Associated Press
Pilares de luz, representando as torres gêmeas, brilham em Manhattan, vistas de Jersey City, em 11 de setembro de 2006


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Quando as torres do World Trade Center (WTC) foram atingidas, a primeira atitude da mídia norte-americana foi embarcar com os dois pés no barco do patriotismo. Na semana seguinte ao atentado, o apresentador David Letterman questionaria a Dan Rather: "Por que eles nos atacaram?". O então veterano âncora responderia: "Porque nos odeiam, Dave".
Essa resposta não satisfez Lawrence Wright. Na manhã do 11 de Setembro e nos dias seguintes, o jornalista da revista "New Yorker" seguia tudo de Austin, Texas, onde mora -ele tentava ir a Manhattan, mas os aviões estavam proibidos de voar. Um obituário de duas linhas no site do jornal "Washington Post" chamou sua atenção. Falava de um dos quase 3.000 mortos naquele dia.
Era John O'Neill, ex-membro da divisão de contraterrorismo do FBI, obcecado por Osama bin Laden, que na hora de sua morte trabalhava como chefe de segurança do WTC. Da ironia do policial que passa a vida caçando o terrorista e termina caçado por este, nasceu o livro "O Vulto das Torres" ("The Looming Towers"), que acaba de ganhar o prestigioso prêmio Pulitzer e que a Companhia das Letras lança agora no Brasil.
Wright estrutura sua narrativa em duas "torres", o herói não-reconhecido O'Neil e o anti-herói Bin Laden, humanizando-os e os usando para ir às origens do radicalismo islâmico, nos anos 50. O escritor conversou com a Folha por telefone de Nova York e avisou que vem ao Brasil em julho, para participar de debate com o jornalista britânico Robert Fisk na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Veja trechos da entrevista.
 

FOLHA - No livro, o sr. tenta entender os motivos que levaram ao 11 de Setembro. A que resposta chegou?
LAWRENCE WRIGHT -
Há várias razões, políticas, religiosas, psicológicas. Do ponto de vista político, a meta original da Al Qaeda era derrubar o governo de seus próprios países. Isso se mostrou impossível. Ayman al Zawahiri [um dos principais teóricos do jihadismo islâmico e braço direito de Bin Laden] tentou derrubar o governo do Egito, mas a reação foi violenta. O mesmo aconteceu com o governo saudita; Bin Laden viu que não tinha apoio popular para destronar a família real.
Seus conselheiros sugeriram que atacasse os EUA, o que exporia a dependência do governo saudita em relação à Casa Branca. Assim, foi mais uma razão estratégica, quase acaso.

FOLHA - Ainda assim, o sr. disse que eles buscam uma "Madri norte-americana", no sentido de um novo ataque a uma cidade dos EUA.
WRIGHT -
O mundo em geral está sofrendo ataques da Al Qaeda o tempo todo. Só para ficar no Iraque, há poucos dias ele atingiram o parlamento. É egocentrismo americano achar que eles estão quietos, esperando para nos atacar. Eles estão ativos o tempo todo. Dito isso, acho que a intenção da Al Qaeda de atacar especialmente os EUA e a Europa ainda está lá. Vários planos, descobertos e interrompidos, teriam sido devastadores se levados a cabo. É possível, sim, que vejamos algo realmente terrível acontecer numa cidade ocidental, e poderia ser uma cidade americana.

FOLHA - O sr. dedicou um bom tempo a pesquisar Bin laden. Qual o aspecto que mais o impressionou?
WRIGHT -
Como quase todo americano, eu tinha impressões erradas sobre Bin Laden, muito por conta de como foi caracterizado pela imprensa. Diz-se, por exemplo, que é bilionário. O máximo de dinheiro que já teve foi US$ 7 milhões, mas o governo saudita congelou seus bens no começo dos anos 90 e as autoridades sudaneses roubaram o resto. Ele também era descrito como uma espécie de gigante, com até 2,10 m de altura. Várias pessoas disseram que ele mede no máximo 1,80 m. Finalmente, esse rumor de que tem problema nos rins. Não há nenhuma indicação disso. Bin Laden é, sim, doente, tem problema crônico nas costas e pressão baixa, então sempre leva consigo um pacote de sal. E costuma desmaiar. São sintomas do mal de Addison, a mesma doença que John F. Kennedy teve. Pode ser fatal, mas também tratável.

FOLHA - Outro que surge como herói, desempenha a função anti-Bin Laden, é o ex-agente John O'Neill, do FBI. Foi consciente estruturar o livro em torno desses dois personagens?
WRIGHT -
Eu queria escrever sobre a tragédia e me perguntei como seria possível torná-la humana. Foi quando vi o obituário de O'Neill, que fazia sua vida soar como tendo um final decadente. Pensei: "Não sei se é herói ou vilão, mas o interessante é que, em vez de pegar Bin Laden, Bin Laden o pegou". Sabia que ali havia uma história que ajudaria a entender essa tragédia. E também que teria de escrever sobre Bin Laden. Como os sauditas não me deixavam entrar no país, fui ao Egito e descobri Ayman al Zawahiri e a importância dele para a Al Qaeda. É uma organização com o saudita Bin Laden na liderança, mas de coração egípcio. Finalmente cheguei à Arábia Saudita, encontrei o príncipe Al Faisal e descobri que ele tinha um papel parecido com o de O'Neill. Eram meus personagens, dois terroristas e dois contraterroristas. Por seus olhos, vê-se toda a dimensão do 11 de Setembro.


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