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CRÍTICA
Filme escorrega a partir de desequilíbrio de personagens
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Diante de "Do Outro Lado
da Rua", é justo o espectador
perguntar, antes ainda de terminar a sessão, aonde queria ir o diretor-roteirista Marcos Bernstein:
trata-se de um filme sobre o olhar
e suas incertezas, como "Janela
Indiscreta" ou "Blow Up"? Ou de
um filme sobre nossa tendência a
fazer juízos apressados? Ou ainda
uma história delicada sobre encontro e amor numa idade, num
momento, numa situação e numa
idade improváveis -um pouco
como o "Diário de la Guerra del
Cerdo", de Adolfo Bioy Casares
(de que Leopoldo Torre Nilsson
tirou um filme que não me lembro de ter chegado por aqui)?
É um pouco disso, um pouco de
cada um. Menos, talvez, por falta
de claro engajamento numa dessas linhas do que pela percepção
de que com cada uma delas, isoladamente, não se iria muito longe.
A questão do olhar, tal como
proposta pelo filme, retoma basicamente o que está em Hitchcock.
Temos ali Regina (Fernanda
Montenegro), mulher que, a pretexto de ser informante policial,
aprecia observar as janelas da vizinhança. Ela vê um dia o vizinho
da frente, um juiz (Raul Cortez),
executar um gesto muito semelhante ao de matar a mulher com
uma injeção. Faz a denúncia à polícia e, mais do que isso, põe-se a
fazer marcação 24 horas sobre o
suposto criminoso.
Até que um dia eles se cruzam.
Ele a convida para sair. Ela topa.
Por que ele a convida? Talvez
queira matá-la. Por que ela aceita?
Porque pretende investigá-lo.
O fato é que aos poucos "Do
Outro Lado da Rua" escorrega do
policial para o filme romântico.
Nessa segunda etapa estabelece-se ainda como um filme de atores.
Nesse particular, aliás, está realmente bem servido. O crescendo
da relação amorosa beneficia
muito mais à personagem feminina -o filme desequilibra-se, nesse sentido, pois a personagem
masculina permanece subexplorada, apenas um apoio para a mulher, que é quem se transforma.
Bernstein observa seus personagens com ternura, entrega-se
aos atores com franqueza. Ao
mesmo tempo, se embanana na
hora de filmar a relação carnal entre duas pessoas de idade (é difícil
mesmo), ou quando saca de sua
grua sem quê nem por quê (aí é
incompreensível). É forte no plano de abertura, despojado, mas
apenas estetizante no segundo.
Entre altos e baixos, pode-se esperar que sua ficção amadureça
um tanto mais e se concentre em
problemas que existem, em vez de
criar outros que não existem.
O Outro Lado da Rua
Produção: Brasil, 2004
Direção: Marcos Bernstein
Com: Fernanda Montenegro, Raul
Cortez
Quando: a partir de hoje no Bristol,
Kinoplex Itaim, Top Cine e circuito
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