São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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MÚSICA

Ex-executivo da grande indústria alterna na pequena Deckdisc estouros de vendagem e artistas "anticomerciais"

João Augusto rema contra maré da crise

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na ciranda da decadência da indústria fonográfica nacional, há quem senta e chora diante do encolhimento do mercado. Mas também há o contra-exemplo, do ex-gigante que se reformula e parte para o trabalho de formiga.
Caso emblemático é o do niteroiense João Augusto, 47, ex-diretor artístico de gravadoras como PolyGram, EMI e Abril Music. Em seu currículo estão êxitos tão assimétricos como os de Marina Lima e Mamonas Assassinas. Hoje dono da caseira Deckdisc, ele rema contra a crise, vende discos de ouro e acha brecha para lançar artistas "anticomerciais" (para usar jargão antigo de gravadora).
Tem conduzido, por exemplo, as carreiras da sambista Teresa Cristina e da roqueira punk Pitty. Agora aposta na cantora Adriana Maciel, que canta samba, bossa nova e MPB de extração maldita em "Poeira Leve".
Quem ajuda a financiar operações comerciais de risco como essas ainda são nomes de pagode, axé e sertanejo, como Edson & Hudson e Boka Loka (todos com vendagens superiores a 100 mil cópias) e o recordista Revelação (700 mil exemplares).
"Fazemos produtos de custo baixo, tudo num enorme aperto. Economizo, não faço loucura, não tenho artista caro, não pago adiantamento, nunca atrasei um pagamento", afirma João.
Ele faz um mea-culpa relacionado à monumental ascensão e queda da indústria musical dos anos 80 aos 2000: "Minha geração não foi generosa. Foi egoísta, medrosa. Não formamos executivos, não demos chance aos novos. Isso foi criminoso".
Com formação inicial em jornalismo de rádio, João começou a se ligar à antiga Philips, sob a gestão artística do co-fundador da bossa nova Roberto Menescal.
Esteve por trás dos inícios de carreira de Zizi Possi e Angela Ro Ro, no final dos 70, e acompanhou momentos de sucesso de Caetano Veloso ("Uns"), Erasmo Carlos ("Buraco Negro"), Marina Lima ("Fullgás") e Eduardo Dusek ("Cantando no Banheiro"), no início dos 80. Do lado mais popular, cuidava de Emílio Santiago e Marcos Sabino. Mesmo assim, reconhece que perdeu o bonde do advento do pop-rock dos 80 -"Eu tinha um pé grande na MPB, quando me falaram dos conjuntos de rock, não entendi".
Por essa época, em meio à explosão do rock e à internacionalização da indústria fonográfica brasileira, os diretores amantes de música foram sendo preteridos por diretores amantes de marketing. João virou produtor independente. Conduziu desde trilhas de novelas para a Globo a discos de bossa nova para o Japão.
Foi viver nova fase de executivo poderoso nos anos passados na EMI, a partir de 93. Ali, acompanhou a agonia final de Renato Russo e da Legião Urbana, apresentou Carlinhos Brown a Marisa Monte e conduziu a trajetória fulminante dos Mamonas Assassinas -investiu no grupo por insistência de seu filho, Rafael Ramos, então pop-roqueiro e hoje produtor da Deckdisc. "Era para Rafael estar junto no avião em que eles morreram. Tive um curto-circuito, precisei ir para a análise."
Em 99, sua Deckdisc se uniu à nascente Abril Music, da qual virou diretor artístico. Liderada por Marcos Maynard, a Abril entrou no mercado com postura agressiva, revelando Los Hermanos e marcando tentos de venda com Falamansa e Bruno & Marrone.
À moda de Maynard, João é evasivo ao falar sobre a prática do jabaculê (execução de músicas em rádios e TVs mediante pagamento), que acompanha a indústria fonográfica há décadas. "Não conheço isso, conheço promoções entre gravadoras e rádios, tudo com nota fiscal. Mas, existindo, é ruim, ruim para a música."
Fala, por fim, do momento atual. "Hoje vou a shows e não vejo nenhum diretor artístico. Essa crise está servindo de desculpa para as pessoas se acomodarem."


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