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MÚSICA
Ex-executivo da grande indústria alterna na pequena Deckdisc estouros de vendagem e artistas "anticomerciais"
João Augusto rema contra maré da crise
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Na ciranda da decadência da indústria fonográfica nacional, há
quem senta e chora diante do encolhimento do mercado. Mas
também há o contra-exemplo, do
ex-gigante que se reformula e parte para o trabalho de formiga.
Caso emblemático é o do niteroiense João Augusto, 47, ex-diretor artístico de gravadoras como
PolyGram, EMI e Abril Music. Em
seu currículo estão êxitos tão assimétricos como os de Marina Lima e Mamonas Assassinas. Hoje
dono da caseira Deckdisc, ele rema contra a crise, vende discos de
ouro e acha brecha para lançar artistas "anticomerciais" (para usar
jargão antigo de gravadora).
Tem conduzido, por exemplo,
as carreiras da sambista Teresa
Cristina e da roqueira punk Pitty.
Agora aposta na cantora Adriana
Maciel, que canta samba, bossa
nova e MPB de extração maldita
em "Poeira Leve".
Quem ajuda a financiar operações comerciais de risco como essas ainda são nomes de pagode,
axé e sertanejo, como Edson &
Hudson e Boka Loka (todos com
vendagens superiores a 100 mil
cópias) e o recordista Revelação
(700 mil exemplares).
"Fazemos produtos de custo
baixo, tudo num enorme aperto.
Economizo, não faço loucura, não
tenho artista caro, não pago
adiantamento, nunca atrasei um
pagamento", afirma João.
Ele faz um mea-culpa relacionado à monumental ascensão e queda da indústria musical dos anos
80 aos 2000: "Minha geração não
foi generosa. Foi egoísta, medrosa. Não formamos executivos,
não demos chance aos novos. Isso
foi criminoso".
Com formação inicial em jornalismo de rádio, João começou a se
ligar à antiga Philips, sob a gestão
artística do co-fundador da bossa
nova Roberto Menescal.
Esteve por trás dos inícios de
carreira de Zizi Possi e Angela Ro
Ro, no final dos 70, e acompanhou momentos de sucesso de
Caetano Veloso ("Uns"), Erasmo
Carlos ("Buraco Negro"), Marina
Lima ("Fullgás") e Eduardo Dusek ("Cantando no Banheiro"),
no início dos 80. Do lado mais popular, cuidava de Emílio Santiago
e Marcos Sabino. Mesmo assim,
reconhece que perdeu o bonde do
advento do pop-rock dos 80
-"Eu tinha um pé grande na
MPB, quando me falaram dos
conjuntos de rock, não entendi".
Por essa época, em meio à explosão do rock e à internacionalização da indústria fonográfica
brasileira, os diretores amantes de
música foram sendo preteridos
por diretores amantes de marketing. João virou produtor independente. Conduziu desde trilhas
de novelas para a Globo a discos
de bossa nova para o Japão.
Foi viver nova fase de executivo
poderoso nos anos passados na
EMI, a partir de 93. Ali, acompanhou a agonia final de Renato
Russo e da Legião Urbana, apresentou Carlinhos Brown a Marisa
Monte e conduziu a trajetória fulminante dos Mamonas Assassinas -investiu no grupo por insistência de seu filho, Rafael Ramos, então pop-roqueiro e hoje
produtor da Deckdisc. "Era para
Rafael estar junto no avião em que
eles morreram. Tive um curto-circuito, precisei ir para a análise."
Em 99, sua Deckdisc se uniu à
nascente Abril Music, da qual virou diretor artístico. Liderada por
Marcos Maynard, a Abril entrou
no mercado com postura agressiva, revelando Los Hermanos e
marcando tentos de venda com
Falamansa e Bruno & Marrone.
À moda de Maynard, João é
evasivo ao falar sobre a prática do
jabaculê (execução de músicas em
rádios e TVs mediante pagamento), que acompanha a indústria
fonográfica há décadas. "Não conheço isso, conheço promoções
entre gravadoras e rádios, tudo
com nota fiscal. Mas, existindo, é
ruim, ruim para a música."
Fala, por fim, do momento
atual. "Hoje vou a shows e não vejo nenhum diretor artístico. Essa
crise está servindo de desculpa
para as pessoas se acomodarem."
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