São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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Em "Nas Tuas Mãos", portuguesa Inês Pedrosa explora natureza feminina em diferentes gerações

A dor e a delícia da mulher

Divulgação
A escritora portuguesa Inês Pedrosa, que lança "Nas Tuas Mãos"


JULIÁN FUKS
DA REDAÇÃO

Encerrada numa incansável Redação por longas horas de longos dias, entre 1993 e 1996, a portuguesa Inês Pedrosa empenhou-se em conhecer tudo o que não sabia sobre a alma feminina. Interrompida a edição da revista "Marie Claire" de Lisboa, da qual era diretora editorial, dedicou-se então a transmutar toda aquela experiência em um romance.

O resultado, "Nas Tuas Mãos", recebeu o Prêmio Máxima de Literatura de 1997, em Portugal, e só agora é lançado no Brasil. Narrado por três mulheres, nos faz desfilar o século passado a partir desses seis olhos femininos: da avó, da mãe e da filha.
Mas a autora não se satisfez só com essas personagens. Seguiu dedicando-se a mulheres, publicando em 2002 seu aclamado romance "Fazes-me Falta" (Planeta), que vendeu mais de 100 mil exemplares no mundo. Depois, lançou "20 Mulheres para o Século 20", série de pequenas biografias que inclui Eva Perón, Hannah Arendt e Marilyn Monroe.
De Lisboa, por e-mail, ela concedeu esta entrevista, em que analisa a feminilidade em nosso mundo e em nossa língua. Mas não se restringe a isso, é claro, que pouco lhe custa transcender o rótulo da literatura feminina e partir para temas mais irrestritos.

Folha - A personagem Jenny, em "Nas Tuas Mãos", declara: "... Às pessoas aborrecem as histórias felizes e têm razão, a felicidade convoca o que em nós há de mais melancólico e solitário". Seriam as personagens que você cria felizes, mas suas narrativas melancólicas?
Inês Pedrosa -
Sim, até porque a melancolia e a solidão parecem-me indissociáveis da idéia de felicidade. As juras de amor eterno estão limitadas pela mortalidade humana, mesmo para os que acreditam em paraísos extraterrenos, porque ninguém até hoje pôde contar como é esse outro mundo. Sabemos que a alegria, o riso, a partilha são tão provisórios quanto nós mesmos (o sofrimento e a dor também, esse é o nosso consolo). No romance, a páginas tantas, uma das personagens define a felicidade como uma coleção de instantes suspensos sobre o tempo que só depois de amarelecidos pela ausência se revelam.

Folha - No livro, é impossível não perceber recorrências entre as gerações de mulheres, sobretudo "na impossibilidade de captarem o mundo masculino". O amor não mudou para essas gerações?
Pedrosa -
A vivência do amor se tem alterado, de geração para geração. Ao longo do século 20, o chamado "mundo masculino" foi se tornando progressivamente mais poroso e aberto ao chamado "mundo feminino". Mas o amor, em si mesmo, enquanto sentimento, continua tão velho e infantil como sempre foi. Não vejo como mude.

Folha - Suas personagens narram de um lugar em que revêem suas vidas e a compreendem de forma diferente. Você consegue reinterpretar a sua vida dessa forma?
Pedrosa -
Creio que sim. Sem essa disponibilidade para a reflexão não se chega a entender nada. Um escritor tem de aprender a olhar para si mesmo a partir de um exterior imaginário, como personagem. Se bem que o pensamento, só por si, seja também pouco -a capacidade de compaixão, entendida como partilha da paixão alheia, é a grande pedra de toque da literatura. De resto, a arte (qualquer arte, não apenas a literatura) é um grande anestésico do sofrimento -tanto para o criador como para o fruidor, que é também um criador-adjunto. Quando alguma coisa de terrível me acontece, a minha reação imediata é a de me olhar de fora e de aprender com a minha dor. Coexistem em mim a sofredora e a narradora que toma notas sobre as modalidades e vertigens do sofrimento, o que torna qualquer dor bastante mais suportável.

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