São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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ROMANCE

Frédéric Beigbeder escreve ficção inspirada no ataque ao WTC

"Windows on the World" acha humor no 11 de Setembro

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um "romance" sobre 11 de setembro de 2001? Será possível ter restado alguma matéria-prima ficcional possível sobre um evento testemunhado via satélite por quase todo cidadão do planeta? É o que Frédéric Beigbeder procura responder em "Windows on the World", livro premiado com o Independent Foreign Fiction Prize. "A partir de 11 de setembro de 2001, a realidade não apenas supera a ficção, como a destrói. Não se pode escrever sobre o tema, mas tampouco se pode escrever sobre outra coisa", defende-se Beigbeder.
Assim o autor, nascido em Neully-sur-Seine, intercala, em movimentos pendulares, registros ensaísticos (onde reflete sobre a histórica relação de amor, ódio e interdependência entre França e Estados Unidos) com narrações feitas por Carthew Yorston, um corretor imobiliário texano que convenceu os filhos Jerry e David a cabularem aula para o café da manhã no Windows on the World, restaurante no 107º andar da torre norte do World Trade Center.
Nos ensaios em tons de memorabilia, Beigbeder divaga, primeiro almoçando no Ciel de Paris, no 56º andar da torre de Montparnasse, depois indo ao nº 56 da "rue" Jacob, endereço do palacete de York onde Adams e Franklin puseram fim à guerra de independência com os ingleses em 1783. Sua conclusão é a de que, em termos históricos, a França está sempre dez anos atrasada em relação aos EUA. Restam, portanto, dez anos para a torre parisiense também ser atingida por um Boeing.
Porém a mecânica a mover a lógica trágica de Beigbeder não se anima apenas a partir do niilismo desmedido típico de certa prosa francesa recente (é só ver o caso de seus companheiros geracionais Pierre Mérot e Houellebecq). Minuto a minuto (os capítulos do livro iniciam-se às 8h30, seguindo até 10h29 -o tempo médio de uma produção hollywoodiana), os argumentos de Beigbeder -o escritor, sim, mas também Frédéric Beigbeder, dândi narcisista, yuppie típico da "geração 68" (como ele denomina a geração que viu a queda do Muro de Berlim aos 20 anos de idade) e sujeito transportador de um hedonismo fracassado- liqüidificam os nacos de cultura de que é feito, atribuindo a responsabilidade pelo estado de coisas iniciado com o alvejamento do WTC por terroristas à sua geração.
E "mea culpa" também é a expiação praticada por Carthew Yorston no topo da torre norte, em meio ao aço retorcido, às labaredas, às pessoas calcinadas, tragando o cheiro de petróleo que escurece tudo, numa descrição à altura do inferno ocorrido nas torres gêmeas. O texano se culpa por não ter convivido mais com os filhos, por ter trocado a mulher por uma pin-up de anúncio de lingerie mas também por ter usado camisinha e trabalhado demais, se divertido de menos e todas essas lamúrias que passam pela cabeça dos que estão prestes a morrer. Novidade nenhuma num romance que começa com a frase: "Vocês conhecem o final: morre todo mundo". O inusitado é que Beigbeder fez um livro informativo sem deixar a literatura de lado e, pasmem, muito engraçado.


Joca Reiners Terron é escritor, autor de "Hotel Hell" (Livros do Mal) e "Curva de Rio Sujo" (Planeta), entre outros
Windows on the World
    Autor: Frédéric Beigbeder
Tradução: André Telles
Editora: Record
Quanto: R$ 39,90 (352 págs.)


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