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DRAUZIO VARELLA
A destruição da floresta
Nossos netos ficarão ricos se
conseguirmos preservar a
floresta amazônica. Pode parecer,
mas não acho que seja exagero:
daqui a 50 anos, que país terá
matas primárias da extensão das
que ainda nos restam? Num
mundo cada vez mais urbano e
de áreas verdes minguantes,
quanto valerão a biodiversidade,
a imensidão dos rios e o enorme
potencial científico e turístico de
uma Amazônia intacta?
Os céticos poderão dizer que, na
Europa e na América do Norte,
também existem florestas das
quais eles se orgulham. De fato, lá
sobreviveram algumas áreas florestais, pequenas, é verdade, mas
bonitas, civilizadas, cortadas por
trilhas com espaços para acampamento, lanchonetes, banheiros
públicos e lojas de suvenires com
estacionamento para ônibus lotados de turistas.
Mas dá para comparar uma visita a elas com o prazer de pegar
um barco a 15 minutos do aeroporto de Manaus, subir o rio Negro ou o Solimões, descer o Amazonas a caminho de um afluente
qualquer e, em poucas horas, estar na solidão da mata misteriosa, como antes da chegada dos
portugueses? Em 2050, quantos
não sonharão com uma viagem
dessas? Quantos institutos de pesquisa não estarão interessados
em estudar a região?
Isso para não falar na monotonia da paisagem botânica européia e norte-americana. O viajante não precisa de pós-graduação
em biologia para notar que, comparada à nossa, a biodiversidade
nos climas temperados é pífia.
Nos parques nacionais americanos, por exemplo, o número de
espécies com caules de diâmetro
acima de 10 cm existentes em um
hectare (100 m x 100 m) não ultrapassa dez ou 15. No baixo rio
Negro, em região próxima a Manaus, o botânico Alexandre de
Oliveira encontrou em média
mais de 260 espécies por hectare.
Dá para comparar?
Além do mais, é fundamental
não esquecer que uma única árvore abriga tantas espécies de seres vivos que constitui um ecossistema particular. Basta olharmos
com atenção para qualquer árvore mais alta no meio da floresta
para nos surpreendermos com a
quantidade de cipós contorcidos
que sobem até a copa, com os filodendros, samambaias, bromélias
e orquídeas floridas que se
apóiam nos galhos, com os fungos
e as briófitas minúsculas que espalham manchas verdes por toda
a extensão do caule. Se juntarmos
a esses hóspedes formigas, cupins,
besouros, abelhas e demais insetos que polinizam as flores, constroem casas e se alimentam das
folhas e também os milhões de
microorganismos subterrâneos
mal conhecidos que criam o meio
adequado para a sobrevivência
funcional das raízes, será possível
ter idéia da complexidade do
equilíbrio ecológico que formas
de vida tão diversas estabelecem
em torno de cada árvore.
Toda vez que uma delas cai, esse equilíbrio é perturbado, mas o
sistema trata de restabelecê-lo rapidamente, porque as pequenas
plantas que viviam estioladas pela sombra da que veio abaixo
crescerão estimuladas pelos raios
solares que agora chegam até
suas folhas através do espaço livre. A floresta é um organismo vivo capaz de cicatrizar suas feridas.
Quando é grande, no entanto, a
área destruída, pode ficar além
da capacidade de reparação do
sistema, porque não há como reconstituir a complexidade do microambiente subterrâneo constituído por bactérias, fungos, protozoários, vermes e demais componentes essenciais para a nutrição
das plantas e das sementes que,
porventura, tenham escapado da
derrubada nem como atrair de
volta os insetos, os pássaros e os
animais anteriormente responsáveis pela polinização e disseminação de sementes. No local, poderão ser plantados eucaliptos como
os que substituíram a mata atlântica, mas a floresta que ali viveu
estará perdida para sempre.
Em virtude dessa irreversibilidade, são assustadores os números divulgados sobre o desmatamento da Amazônia: no último
ano, foram queimados 26 mil
quilômetros quadrados de floresta -área maior do que a da Bélgica- na velocidade vertiginosa
de oito campos de futebol por segundo.
O prestigioso semanário inglês
"The Economist" calcula que,
nesse ritmo, considerado "macabro" pela ministra Marina Silva,
a floresta amazônica terá desaparecido em apenas 200 anos e afirma: "As instituições responsáveis
pela proteção da floresta brasileira são débeis, mal coordenadas,
corruptas e vulneráveis ao lobby
dos fazendeiros e madeireiros".
Não há brasileiro de bom senso
que possa discordar da revista.
Desde 1988, na região amazônica,
temos desmatado sistematicamente pelo menos 12 mil quilômetros quadrados por ano (apenas em 1995 foram quase 30 mil)
para transformá-los em pastos,
campos de soja ou de extração ilegal de madeira.
Esses números deixam claro
que o governo não dispõe de
meios suficientes nem de capacidade técnica adequada para conter as queimadas. A defesa do que
restou de nossas florestas e a responsabilidade de promover o desenvolvimento sustentado das regiões em que elas se encontram é
compromisso inadiável da sociedade brasileira.
Manifestarmos revolta diante
dessa fúria destruidora sem nos
envolvermos ativamente para
contê-la é atitude tão hipócrita
quanto a dos políticos europeus e
norte-americanos que se mostram chocados agora, enquanto
fecham os olhos ao fato de seus
países importarem dois terços de
nossa madeira extraída ilegalmente.
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