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MARCELO COELHO
A cabeça do eleitor
Ciências humanas, por menos que gostemos disso, também ganham com a matemática
NA HORA de escolher uma faculdade, as pessoas alérgicas
a números sempre souberam o que fazer: procurar alguma
carreira em ciências humanas. Talvez em filosofia ou letras essa estratégia ainda funcione (desconfio que
cada vez menos).
Mas em ciência política ou sociologia, temo que o espaço para as almas antimatemáticas está se fechando de vez.
Acabo de ler "A Cabeça do Eleitor"
(ed. Record), do sociólogo Alberto
Carlos de Almeida. Ele foi muito criticado, a meu ver injustamente, pelo
seu livro anterior: "A Cabeça do Brasileiro".
Ali, traçava-se uma correlação estatística entre baixos níveis de escolaridade e determinadas visões de
mundo, como tolerância diante da
corrupção política ou apoio à pena
de morte. Não havia, a meu ver, motivo para escandalizar-se diante dessas conclusões.
Os propósitos de "A Cabeça do
Eleitor" são, de qualquer modo,
mais modestos. O fato é que a disposição de Alberto Carlos Almeida para a análise estatística impõe novas
doses de prudência a todo comentarista político ou "cientista social" à
moda antiga.
Uma série de perguntas (nem todas abordadas pelo livro) tem sido
objeto de puro palpitômetro. Um
governante popular transfere votos
a um candidato desconhecido? Pesquisas de opinião pública influem
no resultado de uma eleição? Gastos
elevados de campanha modificam o
quadro eleitoral? O tempo disponível no horário gratuito pode decidir
uma vitória?
Colocadas assim, abstratamente,
essas questões parecem ingênuas.
Todo observador experiente da vida
política dirá que "cada eleição é uma
eleição", ou que, como dizia uma velha raposa mineira, Magalhães Pinto, "política é como nuvem, uma hora está de um jeito, depois fica de outro...".
Entram em conflito duas mentalidades incompatíveis: a dos "matemáticos" e a dos "intuitivos". Vou-me convencendo, entretanto, que
essas mentalidades não são tão
opostas assim.
Na medida em que o país vai acumulando, bem ou mal, certo histórico de estabilidade política, o fato é
que os dados de muitas e muitas
eleições podem ser analisados com
mais precisão.
E uma análise estatística, ao contrário do que pensam os apavorados
com o poder da matemática, não é
uma bola de cristal. Agrupa regularidades bastante turvas, sabe que exceções podem acontecer, e que o fato de determinados fenômenos se
repetirem no passado não é garantia
automática de que venham a ocorrer da próxima vez.
Seja como for, alguns dos levantamentos trabalhados em "A Cabeça
do Eleitor" levam Alberto Carlos Almeida a formular algumas "leis",
que podem não ser tão infalíveis como a lei da gravidade, é claro, e nem
tão surpreendentes, mas que seria
muito anticientificismo negligenciar.
Uma das primeiras tabelas do livro aponta, ousadamente, a "previsibilidade" de 19 eleições municipais
em 2000. Em 17 delas, valeu a regra
de que o governante bem avaliado se
reelege, ou elege o sucessor, e de que
o governante mal avaliado se dá mal.
Nas duas eleições em que isso não
ocorreu, a diferença entre primeiro
e segundo colocados foi de, no máximo, 0,02% dos votos.
Sobre a influência das pesquisas,
faltam levantamentos. Mas o autor
mostra um caso sugestivo. Foi numa
eleição em Duque de Caxias (RJ).
Mediu-se quanta gente dizia saber
de algum resultado de pesquisas;
mediu-se depois se o entrevistado
sabia os resultados corretos das pesquisas. E, por fim, se o seu voto coincidia com a informação que tinha a
respeito de quem ia ganhar. A influência das pesquisas foi desprezível: quem sabia delas tinha mais escolaridade e tendia a votar no candidato tido como perdedor.
Análises desse tipo dizem pouco
sobre o caráter do capitalismo tardio
ou sobre a alienação no mundo globalizado. Do mesmo modo, pesquisas sobre o comportamento das araras-vermelhas não responderão sobre a essência da vida. Mas devem
ser feitas.
Ciências humanas, por menos que
gostemos disso, também ganham
com o uso da matemática. Certamente, esta funciona mais quando
os tempos não são de crise social
completa. Tabelas de comportamento eleitoral teriam pouco a explicar sobre a ascensão do nazismo,
embora talvez o predissessem. As
opções políticas são hoje menos dramáticas; e, se são mais previsíveis,
talvez seja porque colocam menos
em jogo o nosso destino.
coelhofsp@uol.com.br
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