São Paulo, sábado, 28 de maio de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Mosaico de memórias engendra trama admirável do premiado Paul Harding

NELSON DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Paul Harding é um homem racionalmente passional. Nascido numa cidadezinha de Massachusetts, em 1967, ele adora o rigor solto do jazz e, na juventude, foi baterista da banda Cold Water Flat.
Os romances modernos tiveram sobre ele o mesmo efeito que as novelas de cavalaria tiveram sobre Dom Quixote. Durante a leitura de "Terra Nostra", de Carlos Fuentos, Harding praticamente surtou: "É isso o que eu quero fazer!".
Harding também ama a perfeição matemática da natureza e dos relógios, e isso fica claro em "A Restauração das Horas", seu primeiro livro, vencedor do Prêmio Pulitzer de ficção em 2010. Esse romance pertence ao subgênero "moribundo revê a vida no leito de morte", cujo exemplar mais marcante é "Malone Morre", de Samuel Beckett (1906-1989).
"George Washington Crosby começou a alucinar oito dias antes de morrer", assim inicia o romance. As paredes começam a desmoronar, o chão vai afundando e a cama do octogenário George vai parar no porão. Tudo isso é apenas delírio.
Em que um homem muito doente costuma pensar? Em outro homem muito doente. George, morrendo em casa, cercado pelos familiares, pensa em seu pai, Howard.
Sincronizadas por um narrador bastante afetuoso, as duas histórias -a do filho relojoeiro e a do pai vendedor ambulante- passam a correr lado a lado.
Na cena mais tocante, Howard morde a mão do filho durante uma convulsão epiléptica. Mas essa mordida dói mais no âmago dos afetos do que na carne. O pequeno George, traumatizado, foge de casa.
Algumas páginas adiante, muito mais traumática será a morte do avô de George. Na verdade, sua dispersão. Para Howard, seu pai, um reverendo senil, "foi simplesmente se dissipando". O livro é sobre isso: pais e filhos, tempo e extinção.

NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral), entre outros livros

A RESTAURAÇÃO DAS HORAS

AUTOR Paul Harding
EDITORA Nova Fronteira
TRADUÇÃO Diego Alfaro
QUANTO R$ 34,90 (176 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


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