São Paulo, Sexta-feira, 28 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA - "ATÉ QUE A VIDA NOS SEPARE"
Zaragoza filma sua própria classe média

ERIKA SALLUM
da Reportagem Local

"Até que a Vida nos Separe", filme de estréia do publicitário e pintor José Zaragoza que estréia hoje, começa com tomadas de São Paulo feitas de um helicóptero. Coincidentemente ou não, é do alto, de cima, que se passará toda a ação, centrada na vida de cinco amigos de classe média alta às voltas com problemas pessoais.
Em 110 minutos, desfilam na tela belos apartamentos, restaurantes requintados, roupas sofisticadas, envergadas por um elenco estelar: Julia Lemmertz, Alexandre Borges (ambos de "Um Copo de Cólera", de Aluizio Abranches), Marco Ricca, Murilo Benício, Betty Gofman.
O longa-metragem é o primeiro de uma trilogia que o espanhol Zaragoza -o Z da agência de publicidade DPZ- pretende filmar.
Essa sua estréia, afirma ele, aborda a amizade do brasileiro, retratando a carência de um povo que ainda não sabe lidar direito com a solidão. Para isso, escolheu a classe média "um pouquinho alta".
"Falo do brasileiro mesmo, que é bom profissional, tem emprego, mora bem, tem seu próprio carro, mas não administra a solidão. Isso é o que importa no filme."
"Paulistano" há 40 anos, o catalão Zaragoza conta que sempre foi um cronista, um observador. Quando chegou ao Brasil, se surpreendeu com a forma com que as pessoas se tratavam.
"Se você não telefona, ligam cobrando, dizem que estão morrendo de saudades, mandam um "beijão". Solidão não é privilégio do Brasil, mas aqui se fica mais insuportável que o resto do mundo quando se está sozinho", ri.
O roteiro se concentra na relação de cinco amigos. Bonitos, bem-sucedidos, escondem na intimidade taras, homossexualismo, perversões, solidão. Pedro (Norton Nascimento), por exemplo, é um promissor funcionário de um editora. Negro, só se realiza transando com prostitutas loiras (entre as quais, a global Danielle Winitz).
A cidade surge como um personagem a mais. É a São Paulo do MAM (Museu de Arte Moderna), do parque Ibirapuera, do elegante bairro Jardins.
Organizado, para explicar qualquer coisa, Zaragoza desenha numa folha sulfite, assim como desenhou mais de 1.500 cenas para seu storyboard, que será exibido em uma exposição (leia texto ao lado).
Rabisca a lápis uma pirâmide social, sobre a qual escreve A, B, C. Seu próximo filme, "A Pedrada", acontecerá na classe A e falará sobre abuso sexual. Fechando a trilogia, "O Mutirão" abordará os menos favorecidos, da classe C, mostrando como se constrói uma cidade de um simples terreno baldio.
"Eu entendo isso aqui (aponta a letra C) porque já fui pobre, não tinha nada. Para rodar "O Mutirão", terei de morar num bairro desses por um mês pelo menos, conhecer o comportamento dessas pessoas."
Mas não é possível unir mais de um segmento social num mesmo longa-metragem? "É minha primeira experiência no cinema, cheia de medos. Tinha de lidar com coisas que eu pudesse realmente dominar..."
Enquanto isso, Zaragoza acompanha as pré-estréias de "Até que a Vida nos Separe", orçado em R$ 4 milhões. Empolgado, afirma que todos até agora adoraram o filme. Mas o diretor está preparado para receber críticas negativas?
"Totalmente. Estou botando a cara para bater. Podem falar que meu filme parece um comercial, que sou publicitário, tudo bem. Fiz o que acho que eu sabia."
Além de diretor, Zaragoza estréia também como ator, num pequena ponta em seu próprio filme. "Foi idéia da equipe. Disseram que dá sorte a quem está começando."


Texto Anterior: Peça reúne malditos de ontem e hoje
Próximo Texto: Mostra traz "making of'
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.