São Paulo, quarta-feira, 28 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Alta fidelidade

Lojas paulistanas de CD e vinil tentam sobreviver às novas tecnologias e viram pontos de encontro de colecionadores

Concorrência fecha lojas tradicionais de São Paulo e força outras, como a Baratos Afins, a diminuir espaço e repensar público-alvo


Tuca Vieira/Folha Imagem
Luiz Calanca, da Baratos Afins, quer vender apenas vinis


THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

A música está conosco em todos os lugares. Está na praticidade do iPod, nos CDs piratas de qualquer esquina, no site MySpace, nos podcasts e rádios on-line... Mas, por mais fácil que seja conviver com música, há lugares que lutam para sobreviver neste mundo cheio de música: as lojas de discos...
Não megastores impessoais ou supermercados, mas sim aqueles locais pequenos onde se costuma passar horas vasculhando álbuns e trocando dicas com outros clientes, lojas onde os atendentes te tratam como se você estivesse fazendo um favor ao colocar os pés ali, mas, ei, isso é parte do charme.
Internet, pirataria, concorrência com os grandes magazines. São vários os "vilões" culpados, por exemplo, pelo fechamento da Indie Records (tempo de vida: 1992 a maio de 2006) e pela diminuição de tamanho da Baratos Afins (28 anos em maio). Mas, na hora de apontar uma solução, ela aparece na forma do velho vinil.

Competição
"As gravadoras são as primeiras a não ter ética. Vendiam para mim o CD do Roberto Carlos a R$ 22. Depois eu passava no supermercado e via o mesmo CD a R$ 17. Não dá para competir", resigna-se Luiz Calanca, proprietário da Baratos Afins, que tem planos de trabalhar apenas com vinil. "A molecada é antenada com o que está acontecendo, mas não compra discos, prefere queimar um CD. O vinil ainda tem apelo, até para os "gringos" que vêm aqui."
Aos 53 anos, ele já atendeu "gringos" como Jello Biafra (Dead Kennedys), Thurston Moore (Sonic Youth), Afrika Bambaataa, David Byrne, Eric Burdon, que passaram pela loja e seus mais de 90 mil títulos.
Na época áurea da indústria fonográfica brasileira -os anos 90-, Calanca tinha 13 funcionários. Hoje, são apenas sete. E ele acaba de fechar duas salas na Galeria do Rock, vizinhas da Baratos Afins, que serviam como depósito. A galeria, que chegou a comportar 84 lojas, hoje não abriga nem 50.
Loja de disco está se tornando ponto de encontro de colecionador. "Quem ouve música por acaso não se importa se é em CD ou MP3. É mais fácil vender um disco de R$ 2.000 do que 2.000 discos a R$ 1", compara Calanca.

Paraísos do vinil
É no vinil que está o atrativo da Eric Discos, que serviu de inspiração para o filme "Durval Discos", tocada por Eric Crauford, inglês de 60 anos que desembarcou aqui em 1972 -a loja existe desde 1979.
"Nos anos 90, vinha tanta gente aos sábados que faziam até fila para entrar na loja. A freqüência diminuiu, mas sinto que pode voltar por causa do vinil. Muitos procuram coisas raras e fora de catálogo", diz. Crauford elenca três tipos de freqüentadores: "O curioso, que nunca viu uma loja do tipo; o colecionador, que é sério e gasta muito; e o pechincheiro".
Daniel Ganjaman, do coletivo Instituto, está na segunda categoria. "Quase 80% dos meus vinis de jazz eu comprei na Marche", afirma o músico. "O vinil virou um objeto de consumo atraente, cool." Para pessoas como Ganjaman, São Paulo guarda paraísos, como o sebo Jovem Guarda, na Mooca, com seus mais de 1,2 milhão de discos, ou a Disco 7.
"Não se vê um moleque de 14 anos que pensa em montar uma coleção de CDs. Hoje a música é um negócio descartável: as pessoas baixam de graça 30 discos por semana e ouvem apenas três", diz Marcos Zomignani, que era dono da Indie Records. Para Calanca, ainda há esperanças. "Ainda há aqueles que preferem comprar o CD original ou o vinil. E sempre vemos aventureiros que resolvem abrir uma lojinha."


Texto Anterior: Programação
Próximo Texto: Mônica Bergamo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.