São Paulo, quinta-feira, 28 de junho de 2007

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NINA HORTA

Uma zapeada na TV

Troca o alimento antigo por gororobas incomíveis sem uma palavra sobre o prazer de comer bem

NÃO DURMO antes do Jô nem antes de todos os programas da GNT nem depois do late-late movie etc. e tal, o que dá lá pelas seis horas, mais ou menos. E confesso que não sei mais o que fazer, dilacerada entre os comportamentos variados que a TV me indica.
O meu próprio contato com os ingleses sempre me mostrou um povo extremamente reservado. Pois não é que soltaram a franga ou será que se comportam assim porque são reservados na vida real? A existência deles é um grande "Big Brother". Acabou-se o mais mínimo recesso do jardim secreto. A começar por "Inspetores do Sexo", programa que instala uma câmera no quarto do casal com problemas sexuais e se põe a espiá-los. Os inspetores, já informados, simpaticíssimos, naturais e inteligentes, começam então as aulas.
Preliminares, posições, tudo na maior franqueza, tanto dos casais quanto dos sexólogos. E é um programa bom, difícil de desgrudar o olho, principalmente porque pouco tempo atrás precisávamos todos nascer sabendo essas coisas. Comecei a implicar um pouco com aquela senhora que já passou dos 70 e muitos e é sexóloga. Gostava dela, até, e me divertia. Mas, com o tempo, fui vendo que absolutamente tudo que é do assunto soa a ela normal...
Tudo. Coisas jamais imaginadas, novos brinquedinhos de pilha. Ela é a Mamãe Noel do sexo. E, se alguém lhe telefonar dizendo que o marido dorme com uma cabra, ela nem pisca o olho e faz considerações sábias a respeito destes homens do Midwest. Há tempos que eu gostaria de estudar as relações entre moral alimentar e moral sexual, os tabus, os regimes, desde a época em que uma foi se afastando da outra e da importância que cada uma tomou independentemente da outra. Por muito tempo, a conduta sexual foi mais importante que a alimentar, mas parece que estamos vendo uma trombada, um tumulto.
Zapeio para os programas de bem-estar, vida boa. Um francês faz comidas gostosas, acompanhando-as com um vinho especial escolhido pelo companheiro. Zap! E uma mulher muito bonita assa tortas de maçã, come e lambe os dedos. Uma senhora japonesa conta quantas colheres de açúcar vão em um copo de vinho... e são seis. Em dois copos são 12; em três copos, 18. Congelo. Beber ou morrer? Estou no programa inglês de emagrecimento. Uma bruxa magrela e antipática chega na casa dos gordos horrorosos e empilha numa mesa os montes de comidas que eles papam durante o mês, o que no nosso caso seriam sacos de arroz, de feijão, carne, pão com manteiga, bananas, ovos fritos, sanduíches, Coca-Cola, tudo misturado, caindo mesa abaixo. Começa a falar coisas terríveis, humilhantes. Vão morrer todos. E, o pior de tudo, todos gordos por causa do sanduíche, das salsichas, dos recheios, do refrigerante.
Manda fazer exames de intestino e de fígado dos personagens obesos. Expõe num morgue um cadáver feito de hambúrgueres como um Judas que ela inventou e ri, malvada. Troca todo o alimento antigo por tofu e outras gororobas incomíveis, sem uma palavrinha sobre o prazer de comer bem, a graça de um ovo frito de gema mole sobre o arroz branquinho.
Ultimamente, a bruxa loira, de nariz aquilino, começou a sorrir para suavizar a coisa e disfarçar sua obsessão com as fezes dos seus pacientes, que devem ter uma certa consistência e cheirar bem. E sai atrás deles até que a obra tenha se realizado numa privada que inventou. E dessa vez é ela que sai aos vômitos, porque não é exatamente o aroma de alfazema que queria sentir. E nós, assistindo, pois o programa é bem-feito e tem muitas informações nutritivas preciosas. Quem serão estes ingleses? Masoquistas na fase anal, reprimidos sexualmente? Qual será a resposta de um Contardo Calligaris a esses programas? O sexo virou um prato de tofu, ou um prato de tofu tem a mesma importância que um beijo na boca? Eu não sei.

ninahorta@uol.com.br


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