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NINA HORTA
Uma zapeada na TV
Troca o alimento antigo por gororobas incomíveis sem uma palavra sobre o prazer de comer bem
NÃO DURMO antes do Jô nem
antes de todos os programas
da GNT nem depois do late-late movie etc. e tal, o que dá lá pelas
seis horas, mais ou menos. E confesso que não sei mais o que fazer, dilacerada entre os comportamentos
variados que a TV me indica.
O meu próprio contato com os ingleses sempre me mostrou um povo
extremamente reservado. Pois não é
que soltaram a franga ou será que se
comportam assim porque são reservados na vida real? A existência deles é um grande "Big Brother".
Acabou-se o mais mínimo recesso
do jardim secreto. A começar por
"Inspetores do Sexo", programa que
instala uma câmera no quarto do casal com problemas sexuais e se põe a
espiá-los. Os inspetores, já informados, simpaticíssimos, naturais e inteligentes, começam então as aulas.
Preliminares, posições, tudo na
maior franqueza, tanto dos casais
quanto dos sexólogos. E é um programa bom, difícil de desgrudar o
olho, principalmente porque pouco
tempo atrás precisávamos todos
nascer sabendo essas coisas. Comecei a implicar um pouco com aquela
senhora que já passou dos 70 e muitos e é sexóloga. Gostava dela, até, e
me divertia. Mas, com o tempo, fui
vendo que absolutamente tudo que
é do assunto soa a ela normal...
Tudo. Coisas jamais imaginadas,
novos brinquedinhos de pilha. Ela é
a Mamãe Noel do sexo. E, se alguém
lhe telefonar dizendo que o marido
dorme com uma cabra, ela nem pisca o olho e faz considerações sábias a
respeito destes homens do Midwest.
Há tempos que eu gostaria de estudar as relações entre moral alimentar e moral sexual, os tabus, os
regimes, desde a época em que uma
foi se afastando da outra e da importância que cada uma tomou independentemente da outra. Por muito
tempo, a conduta sexual foi mais importante que a alimentar, mas parece que estamos vendo uma trombada, um tumulto.
Zapeio para os programas de bem-estar, vida boa. Um francês faz comidas gostosas, acompanhando-as
com um vinho especial escolhido
pelo companheiro. Zap! E uma mulher muito bonita assa tortas de maçã, come e lambe os dedos. Uma senhora japonesa conta quantas colheres de açúcar vão em um copo de
vinho... e são seis. Em dois copos são
12; em três copos, 18. Congelo. Beber
ou morrer? Estou no programa inglês de emagrecimento. Uma bruxa
magrela e antipática chega na casa
dos gordos horrorosos e empilha
numa mesa os montes de comidas
que eles papam durante o mês, o que
no nosso caso seriam sacos de arroz,
de feijão, carne, pão com manteiga,
bananas, ovos fritos, sanduíches,
Coca-Cola, tudo misturado, caindo
mesa abaixo. Começa a falar coisas
terríveis, humilhantes. Vão morrer
todos. E, o pior de tudo, todos gordos
por causa do sanduíche, das salsichas, dos recheios, do refrigerante.
Manda fazer exames de intestino e
de fígado dos personagens obesos.
Expõe num morgue um cadáver feito de hambúrgueres como um Judas
que ela inventou e ri, malvada. Troca
todo o alimento antigo por tofu e outras gororobas incomíveis, sem uma
palavrinha sobre o prazer de comer
bem, a graça de um ovo frito de gema
mole sobre o arroz branquinho.
Ultimamente, a bruxa loira, de nariz aquilino, começou a sorrir para
suavizar a coisa e disfarçar sua obsessão com as fezes dos seus pacientes, que devem ter uma certa consistência e cheirar bem. E sai atrás deles até que a obra tenha se realizado
numa privada que inventou. E dessa
vez é ela que sai aos vômitos, porque
não é exatamente o aroma de alfazema que queria sentir. E nós, assistindo, pois o programa é bem-feito e
tem muitas informações nutritivas
preciosas. Quem serão estes ingleses? Masoquistas na fase anal, reprimidos sexualmente? Qual será a resposta de um Contardo Calligaris a
esses programas? O sexo virou um
prato de tofu, ou um prato de tofu
tem a mesma importância que um
beijo na boca? Eu não sei.
ninahorta@uol.com.br
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