São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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O grande leitor

Escolhido para abrir a Flip deste ano, o crítico Roberto Schwarz fala à Folha sobre o "quebra-cabeça" de "Dom Casmurro", analisa a recepção à obra de Machado de Assis no Brasil e no exterior e compara "Cidade de Deus" a "Tropa de Elite'

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O crítico Roberto Schwarz, que fará na quarta a conferência de abertura da 6ª Festa Literária Internacional de Parati e está relançando "O Pai de Família'


MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Em uma Festa Literária Internacional de Parati (Flip) "mais intelectualizada", como definem os próprios organizadores desta sexta edição do evento (de 2/7 a 6/7), um símbolo da academia vai abrir a festa. O crítico literário Roberto Schwarz, um dos mais influentes pensadores da cultura brasileira, será o orador de abertura, na próxima quarta, às 19h. A sua conferência vai abordar Machado de Assis, autor homenageado de 2008.
Sobre sua palestra, Schwarz adianta pouco. "Não vai ser igual ao que já escrevi, mas não vai ser muito diferente, e não vai ser um ensaio para publicação. Digamos que é um desenvolvimento", diz o autor de "Ao Vencedor as Batatas" (77) e "Um Mestre na Periferia do Capitalismo" (90), que mudaram os rumos dos estudos machadianos.
Na entrevista a seguir, Schwarz aborda Machado, cultura e política. Disserta sobre os rumos da crítica machadiana no Brasil e no exterior e afirma que é "uma curiosidade um pouco boba e malsã" saber se Capitu traiu ou não Bentinho.
O crítico comenta o relançamento após 30 anos de "O Pai de Família" (Companhia das Letras), coletânea de ensaios que viraram um marco nos anos de chumbo no regime militar ("o tema da modernização conservadora está presente em todos. Uma parte das matérias se tornou histórica, outra parte continua atual"). Sobre o cenário cultural, Roberto Schwarz diz que "nem a urbanidade de Fernando Henrique nem a determinação com que Lula levou adiante o Bolsa Família convenceram a imaginação dos artistas".
O crítico enxerga pontos de contato entre "Cidade de Deus" ("especialmente o livro") e "Tropa de Elite", de José Padilha. Sobre o filme de Padilha, diz que, "estimulado pela farda e pela empatia com os atores, o espectador pode se identificar à violência desvairada e aprovar inclusive a tortura. Ao que parece é o que aconteceu com boa parte do público". Para o crítico, em "Tropa de Elite", "os fanáticos da justiça vão mais longe que os piores malfeitores.
São exemplos da desigualdade degradada".  

FOLHA - O sr. pode adiantar resumidamente qual será a tese de sua conferência sobre Machado de Assis na Flip?
ROBERTO SCHWARZ
- Vou falar de "Dom Casmurro". Como todo mundo sabe, esse romance é um quebra-cabeça refinadíssimo, inventado para não ter solução num certo plano, o que noutro plano é uma solução muito instrutiva. Capitu teria traído Bentinho, conforme ele mesmo sugere? A traição não será fantasia dele, que é um marido suspeitoso, desequilibrado pelo ciúme? Em quem acreditar? De quem duvidar? O adultério serve de isca. Atrás da curiosidade um pouco boba e malsã de saber se fulana foi ou não foi com beltrano, vão surgindo as questões da sociedade brasileira, que dão originalidade e altura artística ao conflito central.


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