São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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Grupo encena tecnologia como desafio humano

Arte Ciência no Palco completa dez anos com estréia de "A Culpa É da Ciência?'

"Seria o cúmulo usar tecnologia num espetáculo que discute seus efeitos", diz o autor Oswaldo Mendes sobre a peça "artesanal"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

À brusca queda de um recém-nascido, uma mulher reage com placidez: "Não tem problema, a gente faz outro!". E, via celular, passa adiante o código genético da criança para que outra seja fabricada.
A cena ilustra a reflexão que o Núcleo Arte Ciência no Palco deseja estimular com "A Culpa É da Ciência?", espetáculo com que o grupo comemora dez anos de atividade.
"Queremos tratar da relação do ser humano com a tecnologia e do quanto ela altera nossas relações interpessoais. Como dizemos no fim, a ciência é capaz de salvar vidas ou matar, mas a decisão cabe ao homem", afirma Oswaldo Mendes, que assina, ao lado de Alessandro Greco, a dramaturgia final do 12º trabalho da companhia.
"Culpa" marca uma mudança de rota para o Arte Ciência: até então, as trajetórias, teorias e descobertas de nomes como Albert Einstein (1879-1955), Antoine Lavoisier (1743-94) e Niels Bohr (1885-1962) haviam servido de matéria-prima à trupe. Mendes viu na efeméride uma boa desculpa para "lançar o nosso olhar sobre a ciência, dar um salto sem rede". Mas tudo "artesanal, analógico", diz ele. "Seria o cúmulo usar tecnologia num espetáculo que discute seus efeitos."
Comédia dramática
Em cena, o registro oscila entre o grave e o cômico. Na primeira categoria, entram os segmentos sobre o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas e a falta de vacinas durante mutirões de imunização. Mais leves são os blocos sobre os atritos de clientes bancários com a alta tecnologia das agências (a máquina que engole o cartão, a porta giratória) e o sexo virtual.
Durante a preparação, iniciada em agosto do ano passado, o grupo teve palestras com físicos, matemáticos e biólogos, além de conhecer o Instituto do Sono e o reator nuclear da USP. Com o material recolhido nesse primeiro momento, os integrantes do grupo começaram a improvisar: de cada tema, sugiram entre quatro e seis variações. Após a triagem das melhores cenas, Greco e Mendes se encarregaram da amarração final.
A imersão dos atores no universo das exatas foi em prol do que o alemão Bertolt Brecht (1898-1956) chamou de teatro da era científica, segundo explica Mendes: "O ator não pode pensar o mundo por suas intuições, precisa ter alguma bagagem, algum conhecimento do que está falando".
Ele em seguida amplia o conceito brechtiano: "O teatro que não levar em conta que este mundo está mudando vai seguir discutindo briga de casais. E, com todo respeito, hoje televisão e cinema tratam isso melhor do que o teatro tratou ou poderia tratar. O teatro tem de ir mais fundo, verticalizar."
Ainda assim, não corre o risco de, mais adiante, ser também ele "engolido" pela tecnologia? Mendes acha que não. "O teatro vai sobreviver a tudo. É da essência humana essa necessidade do afeto, do olho no olho, da palavra que se troca com amigos. O teatro é a possibilidade do encontro."


A CULPA É DA CIÊNCIA?
Quando:
estréia hoje; sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h; até 27/7
Onde: auditório PUC Consolação (r. Marquês de Paranaguá, 111, São Paulo, tel. 0/xx/11 3081-8865); classificação 14 anos
Quanto: de R$ 5 a R$ 10


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