São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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Análise

Com John Neschling à frente, Osesp virou patrimônio comum

Maestro modernizou e desprovincianizou orquestra, que chegou a nível alto, mas estagnou

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo vai acabar? Essa tem sido a pergunta mais freqüente dos últimos dias, desde que o maestro John Neschling anunciou a decisão de não renovar seu contrato, que expira daqui a dois anos.
A pergunta tem algo de catastrofista -uma característica bem brasileira, de sempre ver as coisas em tom alternadamente esfuziante ou trágico-, mas entende-se a preocupação. A diferença na vida musical da cidade foi enorme, acompanhando o projeto Osesp, ao longo dos últimos 11 anos.
A qualidade musical da orquestra está acima de qualquer dúvida: por consenso, ela é a melhor que o país já teve, reconhecida como o melhor conjunto sinfônico das Américas, sem contar os Estados Unidos. E a Sala São Paulo, onde a Osesp se apresenta três vezes por semana, cerca de 40 semanas por ano, virou a cara musical erudita da metrópole.
Sob a direção de Neschling, a Osesp serviu de modelo para muitos outros quadros estáveis, não só de São Paulo. Dez anos atrás, qual orquestra podia anunciar a programação completa do ano seguinte com meses de antecedência e vender assinaturas? Parece coisa óbvia; mas ninguém conseguia fazer o que agora virou rotina. De sua parte, a Osesp tem hoje mais de 11 mil assinantes.
Tudo isso, mais as turnês nacionais e internacionais, gravações de discos, edições de partituras, apresentações didáticas e a Academia Osesp fazem parte de um projeto que soube pensar grande; modernizou e desprovincianizou um dos campos mais renitentemente conservadores da cultura.
Neschling não fez tudo sozinho -entre os que o ajudaram a criar a orquestra estão alguns dos atuais assessores do secretário de Estado da Cultura, que ele hoje, no calor da discussão, acusa de ser "mal assessorado". Mas foi o maestro quem teve a força pessoal de fazer as coisas acontecerem, aliada à imaginação para construir programas de interesse incomum. Aliada também a um temperamento que ele mesmo define como difícil, e a uma personalidade centralizadora ao extremo.
Com Neschling, a Osesp chegou logo a um nível muito mais alto do que se poderia ter sonhado. O que não quer dizer que a orquestra tenha chegado até onde pode ir, musicalmente. Faz bom tempo que a orquestra estacionou -num alto nível, mas estacionou. Pode crescer, como pode decair.
A Osesp vai acabar? Não há por que pensar assim. A Filarmônica de Berlim não acabou sem Karajan, nem a Filarmônica de Nova York sem Bernstein. A Secretaria está certa de montar o "search committee" para definir um novo nome para a orquestra, capaz de dar conta do projeto, em toda sua dimensão. É o que se faz, em qualquer grande orquestra, como em qualquer grande empresa.
Se se confirmar mesmo a saída de Neschling -essas coisas sempre podem mudar, embora tudo indique que não-, ele terá legado à cidade e ao país o maior projeto musical já conduzido nessa área.
Mas vale lembrar o bordão publicitário, "pode aplaudir: a orquestra é sua". Pois é. Criada por ele, a Osesp virou patrimônio comum, maior do que qualquer regente ou governo. Todos passam, a orquestra fica, e é bom que seja assim. Tempo de crise é tempo de mudança. Se a orquestra saberá usar a mudança a seu favor, ainda está muito cedo para saber. Mas não cedo demais para torcer.


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