São Paulo, segunda-feira, 28 de junho de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Ele era um individualista radical, mas não era inocente"

Para Rüdiger Safranski, Nietzsche era visto por seus contemporâneos como um "ateu louco"

Biógrafo responsabiliza irmã do filósofo por associá-lo ao nazismo, mas diz que pensador tem parcela de culpa

Arquivo "Life"
O filósofo alemão Friederich Nietzsche (1844-1900) em gravura assinada por John Philipp

DE SÃO PAULO

Autor de uma biografia de Nietzsche que é referência, o alemão Rüdiger Safranski, 65, ataca, na entrevista a seguir, a irmã do pensador, Elizabeth, por tê-lo associado ao nacional-socialismo.
Mas ele lembra que Nietzsche tem culpa no cartório, por haver defendido posições condenáveis -como a "eliminação de formas de vida inferiores".
Safranski também fala de sua obra recém-lançada no Brasil "Romantismo - Uma Questão Alemã", que tem um capítulo dedicado ao autor de "Além do Bem e do Mal" e de "Humano, Demasiado Humano".
(MARCOS FLAMÍNIO PERES)

 


Folha - Por que Nietzsche é tão popular entre não especialistas?
Rüdiger Safranski - Nietzsche de fato se tornou rapidamente um mito para o grande público. Mas por quê? Tudo se encaixa! [Ele era] um solitário que, de modo ousado, proclamou que "Deus está morto" e, como se fosse castigadopor isso, enlouqueceu. Sua reputação com o público era de "o ateu louco".
Depois, ficou famoso com a teoria do "super-homem". Segundo ela, é possível o desenvolvimento superior do ser humano, que se torna real quando a pessoa usa bem suas próprias forças.
Além disso, sua linguagem e seu estilo seduziam pela beleza e caía bem colocar a arte acima da ciência: para ele, o homem criativo ocupa um posto mais alto do que o positivista aplicado.

Como o estilo explica a obra?
Alguns aforismos psicológicos eram muito eficazes e não era preciso estudar um sistema para entendê-lo -na verdade, não havia sistema nenhum. Eram "insights" que faziam efeito como: "Você fez iss", diz a memória,/ "Você não pode ter feito isso", diz o orgulho,/ Mais cedo ou mais tarde, a memória cede!". Esse aforismo traz toda a teoria freudiana do recalque.

Como vê sua apropriação pelo nazismo?
A irmã de Nietzsche, que viveu décadas a mais do que ele, fez de tudo para associá-lo à ideologia nacional-socialista. Porque Nietzsche era um espírito independente, liberal, um inimigo do antis semitismo e do nacionalismo.
Era um individualista radical. Sua filosofia da "vontade de poder" se referia sobretudo à formação da individualidade, de que a pessoa deveria ter poder sobre si mesma.
Agora, de fato, ele teve experiências com pensamentos sobre raças superiores e eliminação de formas de vida inferiores. E, nesse contexto, expressou opiniões que posteriormente foram instrumentalizadas pelos nazistas.
Portanto, Nietzsche não foi completamente inocente! Aí, então, é preciso confrontar Nietzsche com Nietzsche!

No capítulo em que trata de Nietzsche, o sr. usa formulações quase idênticas às de sua biografia do pensador...
Nietzsche pertence à história do romantismo. Não se pode simplesmente dizer essas coisas de um modo melhor do que já falei. Não vejo nenhum problema em "utilizar" a mim mesmo.


ROMANTISMO - UMA QUESTÃO ALEMÃ

AUTOR Rüdiger Safranski
TRADUTORA Rita Rios
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$ 56(384 págs.)
AVALIAÇÃO bom



Texto Anterior: Nietzschianas
Próximo Texto: Totem "fascista" volta à Guarapiranga
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.