São Paulo, sábado, 28 de julho de 2001

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"NORTE DAS ÁGUAS"

Livro de 69 será relançado no dia 6, durante exposição

Contos de José Sarney lançam olhar poético sobre extremos

MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA

Em 1969, Guevara, Martin Luther King e Bob Kennedy já estavam mortos, o Brasil vivia sob o AI-5, jovens cabeludos de lá pediam paz e amor, enquanto os jovens daqui pegavam em armas.
Em 1969, a editora Martins lançava "Norte das Águas", livro de contos de José Sarney -então um político secundário da Arena, braço civil do regime militar brasileiro-, agora relançado pela Siciliano numa cerimônia de pompa que homenageia os 70 anos do autor com uma exposição de sua trajetória política.
O que mata um crítico é o preconceito. Muitas vezes, lê-se uma obra com as ambiguidades da vida pessoal do autor em primeiro plano. Não há transparência em divergências ideológico-históricas. Mas um livro é um livro.
Em 1995, Sarney publicou o primeiro romance, "O Dono do Mar", livro sobre aparições de náufragos do litoral maranhense; a história do pescador Antão Cristório vendeu 40 mil cópias no Brasil, foi lançado em vários países, teve admiradores como Lévi-Strauss e está virando filme, com direção de Odorico Mendes.
Em 2000, Sarney lançou o segundo romance, "Saraminda", um épico que se passa na Amazônia sobre garimpeiros e uma garota "créole" que se dizia virgem, andava nua, tinha a pele escura, os olhos verdes e os bicos dos seios dourados, como o ouro.
Para escrever "O Dono do Mar", Sarney se baseou em seu ensaio sociológico sobre a pesca, feito quando era jovem. Para "Saraminda", se meteu na mata sozinho e conviveu com garimpeiros.
Um açude separa o livro de contos dos dois romances. Há quase três décadas, Sarney pesquisava a linguagem, reinventava o Maranhão, contando histórias com intrigas políticas, traição, sangue e sexo. Os contos de "Norte das Águas" parecem escritos sob a regência de Guimarães Rosa. Não há linearidade. Há uma explosão semântica.
Os Boastardes são três primos que aterrorizam as cidades. Os dedos no gatilho são mais ligeiros que cobra na areia quente. O final é trágico, como tudo na região.
Os Bonsdias também são amigos para sempre, uns coitados preguiçosos cheios de mania: um não podia ouvir porco morrendo, o outro não podia com peixes, e o terceiro sofria com odores fortes. Uma mulher baixinha e valente tomava conta dos três. E tinha os Boasnoites, também três parentes, que gostavam de cantar desafio pelo Maranhão.
Na América Latina, em que a desigualdade e as injustiças tocam os sensíveis, e se acredita que um escritor seja uma maré influenciável pelas dores do próximo, existem autores de direita, como Nelson Rodrigues e Borges.
Existem os apolíticos, como Machado de Assis, e uma gama de escritores de esquerda, como García Márquez e Oswald de Andrade, que vão dos que têm carteirinha, como Graciliano Ramos e Jorge Amado, aos que mudaram de lado, como Vargas Llosa.
Existem duas pessoas em José Sarney. Uma é o político nacionalista, que não participou do golpe de Estado de 1964, mas seguiu carreira na Arena e virou um dos arquitetos da transição. Sua carreira pode ser confundida com a de um coronel proprietário de terras do Maranhão, onde sua família detém um poder feudal.
E existe um surpreendente escritor José Sarney, membro da Academia Brasileira de Letras, que, a cada livro, funde a cabeça da crítica. "Norte das Águas", que vai virar minissérie na Record, é um livro em que o escritor Sarney parece contar as desgraças das vítimas do sistema político que alimenta. Mas, também, é um olhar poético sobre a região em que se vive entre extremos, com sangue e sexo ebulientes. "Norte das Águas" é o laboratório de seus surpreendentes romances.


Norte das Águas
    
Autor: José Sarney
Editora: Siciliano
Quanto: R$ 22 (216 págs.)
Lançamento: na abertura da exposição "José Sarney - O Poeta e o Defensor da Liberdade"
Quando: 6 de agosto, às 19h
Onde: biblioteca Victor Civita - Memorial da América Latina (av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, São Paulo, tel. 0/ xx/11/ 3823-4600)
Quanto: entrada franca




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