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LIVROS/LANÇAMENTOS
"NORTE DAS ÁGUAS"
Livro de 69 será relançado no dia 6, durante exposição
Contos de José Sarney lançam olhar poético sobre extremos
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Em 1969, Guevara, Martin Luther King e Bob Kennedy já
estavam mortos, o Brasil vivia sob
o AI-5, jovens cabeludos de lá pediam paz e amor, enquanto os jovens daqui pegavam em armas.
Em 1969, a editora Martins lançava "Norte das Águas", livro de
contos de José Sarney -então
um político secundário da Arena,
braço civil do regime militar brasileiro-, agora relançado pela Siciliano numa cerimônia de pompa que homenageia os 70 anos do
autor com uma exposição de sua
trajetória política.
O que mata um crítico é o preconceito. Muitas vezes, lê-se uma
obra com as ambiguidades da vida pessoal do autor em primeiro
plano. Não há transparência em
divergências ideológico-históricas. Mas um livro é um livro.
Em 1995, Sarney publicou o primeiro romance, "O Dono do
Mar", livro sobre aparições de
náufragos do litoral maranhense;
a história do pescador Antão Cristório vendeu 40 mil cópias no
Brasil, foi lançado em vários países, teve admiradores como Lévi-Strauss e está virando filme, com
direção de Odorico Mendes.
Em 2000, Sarney lançou o segundo romance, "Saraminda",
um épico que se passa na Amazônia sobre garimpeiros e uma garota "créole" que se dizia virgem,
andava nua, tinha a pele escura,
os olhos verdes e os bicos dos
seios dourados, como o ouro.
Para escrever "O Dono do Mar",
Sarney se baseou em seu ensaio
sociológico sobre a pesca, feito
quando era jovem. Para "Saraminda", se meteu na mata sozinho e conviveu com garimpeiros.
Um açude separa o livro de contos dos dois romances. Há quase
três décadas, Sarney pesquisava a
linguagem, reinventava o Maranhão, contando histórias com intrigas políticas, traição, sangue e
sexo. Os contos de "Norte das
Águas" parecem escritos sob a regência de Guimarães Rosa. Não
há linearidade. Há uma explosão
semântica.
Os Boastardes são três primos
que aterrorizam as cidades. Os
dedos no gatilho são mais ligeiros
que cobra na areia quente. O final
é trágico, como tudo na região.
Os Bonsdias também são amigos para sempre, uns coitados
preguiçosos cheios de mania: um
não podia ouvir porco morrendo,
o outro não podia com peixes, e o
terceiro sofria com odores fortes.
Uma mulher baixinha e valente
tomava conta dos três. E tinha os
Boasnoites, também três parentes, que gostavam de cantar desafio pelo Maranhão.
Na América Latina, em que a
desigualdade e as injustiças tocam
os sensíveis, e se acredita que um
escritor seja uma maré influenciável pelas dores do próximo, existem autores de direita, como Nelson Rodrigues e Borges.
Existem os apolíticos, como
Machado de Assis, e uma gama de
escritores de esquerda, como García Márquez e Oswald de Andrade, que vão dos que têm carteirinha, como Graciliano Ramos e
Jorge Amado, aos que mudaram
de lado, como Vargas Llosa.
Existem duas pessoas em José
Sarney. Uma é o político nacionalista, que não participou do golpe
de Estado de 1964, mas seguiu
carreira na Arena e virou um dos
arquitetos da transição. Sua carreira pode ser confundida com a
de um coronel proprietário de
terras do Maranhão, onde sua família detém um poder feudal.
E existe um surpreendente escritor José Sarney, membro da
Academia Brasileira de Letras,
que, a cada livro, funde a cabeça
da crítica. "Norte das Águas", que
vai virar minissérie na Record, é
um livro em que o escritor Sarney
parece contar as desgraças das vítimas do sistema político que alimenta. Mas, também, é um olhar
poético sobre a região em que se
vive entre extremos, com sangue e
sexo ebulientes. "Norte das
Águas" é o laboratório de seus
surpreendentes romances.
Norte das Águas
Autor: José Sarney
Editora: Siciliano
Quanto: R$ 22 (216 págs.)
Lançamento: na abertura da exposição
"José Sarney - O Poeta e o Defensor da
Liberdade"
Quando: 6 de agosto, às 19h
Onde: biblioteca Victor Civita - Memorial
da América Latina (av. Auro Soares de
Moura Andrade, 664, São Paulo, tel. 0/
xx/11/ 3823-4600)
Quanto: entrada franca
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