São Paulo, sábado, 28 de julho de 2007

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Crítica/romance

Contos moldam livro certeiro e desconcertante de Palahniuk

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

É chegada a hora de você encarar Chucky 7 -ou melhor, "Assombro", o sétimo e mais desconcertante livro de Chuck Palahniuk-, e, como de hábito na ficção desse seguidor macabro de Edgar Allan Poe, as surpresas não param na segunda página e seguem apavorando o leitor até o fim.
Quanto sofrimento, porém, será necessário para se atingir a revelação final? Bem, essa pergunta só poderá ser respondida pelo seu estômago.
Adianto que não se trata de figura de linguagem. "Assombro", um romance de configuração pouco usual e certeira que intercala poemas e contos "escritos" pelos personagens, é um livro difícil de roer e, principalmente, de digerir.
A história do grupo de pessoas que atende a um anúncio de jornal dizendo "Retiro de escritores. Abandone sua vida por três meses" começa pelo já célebre conto "Tripas". Palahniuk promoveu leituras do texto na turnê promocional do livro "Diário", em 2004, e pessoas desmaiavam à sua audição.

Reality show
Se não é para tanto, a história do masturbador compulsivo que tem as tripas sugadas pelo ralo da piscina também não é algo que abra o apetite de ninguém. Exímio em seu trabalho de descrição, mesmo que em pequeníssima escala, Palahniuk deve ter contribuído para a diminuição das vendas de fast-food nos países em que o livro foi publicado.
A dieta segue rigorosa ao longo da fábula, com amputações, cenas de canibalismo, coprofagia e outras aviltações mais. E, desta vez, sem humor nenhum, ao contrário de seus livros anteriores.
Conduzidos de ônibus a um castelo pelo senhor Whittier e sua assistente, senhora Clark, os escritores internam-se numa espécie de reality show inspirado pela lendária passagem de John Polidori, Lord Byron e Percy e Mary Shelley pela Villa Diodati, às margens no lago Genebra, em temporada que gerou dois entre os maiores clássicos do horror, "Frankenstein" (Shelley) e "The Vampyre" (Polidori).
Denominados como personagens temáticos de um parque -miss América, santo Estripado, madame Mendiga e conde da Calúnia, por exemplo-, eles têm de criar baseados em suas biografias pessoais. Às histórias reveladoras que contam são intercaladas passagens episódicas da sua estada no castelo, onde logo na chegada se descobrem prisioneiros de um maníaco que os manterá sem alimentos ou higiene.
Os contos autobiográficos aos poucos revelarão o grau de "culpa" de cada um dos personagens, deixando na boca o travo moral característico de Palahniuk, autor que tem o hábito de revestir suas competentes fábulas com moralismos quase sempre superficiais e desnecessários.
Outro de seus maneirismos estilísticos é a repetição de determinada frase dita pelos narradores, recurso que acaba retirando credibilidade de seus personagens, fazendo com que soem todos parecidos entre si. Tal problema, entretanto, não retira do romance sua eficácia narrativa.
Somente tal explicação pode justificar o fato de se chegar ao final de um livro tão repugnante. Além, claro, do masoquismo fundamental para qualquer leitor desavisado que abra um livro de Chuck Palahniuk.


JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)


ASSOMBRO
Autor: Chuck Palahniuk
Tradução: Paulo Reis
Editora: Rocco
Quanto: R$ 49,50 (338 págs.)
Avaliação: bom



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