São Paulo, segunda-feira, 28 de julho de 2008

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Crítica

Obra está mais para plataforma de candidato

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

O filósofo francês Luc Ferry foi ministro da Juventude e da Educação no governo de Jacques Chirac, durante cerca de dois anos. Guardou da experiência uma forte incompatibilidade com reivindicações corporativas. Está convencido da irracionalidade econômica de muitas bandeiras de esquerda, e não se empolga com os lemas da antiglobalização. Tampouco está engajado numa volta aos velhos ideais políticos do século 20, sejam de esquerda ou de direita. Em nome da "honra nacional" ou da "revolução proletária", milhões foram massacrados. É também crítico com relação ao mundo do hiperconsumismo e da desregulamentação econômica, onde as disparidades sociais se agravam e não há nenhum valor profundo capaz de justificar o status quo. Não parecem sobrar grandes idéias para quem quer, como Ferry, manter-se crítico das desigualdades sociais e ao mesmo tempo preservar a suposta racionalidade econômica dos governantes europeus.

Ovo de Colombo
O que fazer? Neste livro curto e fluente, que poderia quase ser reduzido a uma entrevista de televisão, o filósofo nos apresenta uma espécie de "ovo de Colombo". Seu raciocínio é o seguinte. É comum lamentar o "declínio da política", a decadência das grandes questões de Estado. Tudo se recolhe para a esfera do privado, do doméstico, das famílias. Pois bem, e se virássemos a lamúria de cabeça para baixo? Por que não celebrar, justamente, o âmbito da felicidade pessoal, a dedicação dos pais pelos filhos, o advento moderno do casamento por amor? São fenômenos recentes na história humana (e o livro cita alguns contra-exemplos apavorantes de épocas passadas). Não seria melhor esquecer de vez certos mitos como a Revolução e a Glória Nacional, e dizer que a política deve servir aos indivíduos, ajudando-os a alcançar uma vida mais realizada e feliz? O leitor tende a concordar com propostas tão modestas; o difícil é classificar este livro de "polêmico e inovador", como fez o crítico Pascal Bruckner, numa frase reproduzida na capa da edição brasileira. Afinal, os ideais da auto-realização individual foram reconhecidos na vida política desde, pelo menos, a Revolução Americana de 1776. Além disso, esquerda e direita nunca se mobilizaram apenas em torno de bandeiras como a Pátria ou a Revolução. Quando um "falcão" do Pentágono quer a guerra contra comunistas ou muçulmanos, acredita que esta é a única maneira de defender um ideal de vida não muito diferente daquele apoiado por Ferry. E, durante o apogeu da esquerda, também se dizia que o capitalismo, trazendo guerras e miséria, era incapaz de propiciar os ideais que Ferry defende. Seria este o motivo, afinal, para se fazer uma Revolução. Há futuro para o capitalismo globalizado? Sofre ameaças, externas e internas? Quais as contradições entre ciência e lucro, entre consumismo e ecologia, aceleração tecnológica e desemprego, desencantamento do mundo e frustração individual? São perguntas que não se resolvem propondo novos "valores" no mercado intelectual -mesmo em suas praças mais depauperadas, como a França. Com sua simpática honestidade, "Família, Amo Vocês" parece mais a plataforma de um bom candidato ao parlamento do que um ensaio político inovador.

FAMÍLIA, AMO VOCÊS
Autor: Luc Ferry
Tradução: Jorge Bastos
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 24,90 (144 págs.)
Avaliação: regular



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