São Paulo, terça, 28 de julho de 1998

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CRÍTICA
São 25 minutos radicais de imenso cinema

AMIR LABAKI
de Nova York

Não mais que 25 minutos do drama de guerra "O Resgate do Soldado Ryan" foram o bastante para Steven Spielberg ultrapassar Peter Weir ("O Show da Vida") na corrida pelo Oscar-98 e liderar as bilheterias neste fim de semana nos EUA (US$ 30 milhões)."
Como os espectadores brasileiros poderão conferir em setembro, "Ryan" começa recriando com uma violência arrepiante o sangrento desembarque americano em praias da França no Dia D (6 de junho de 1944), iniciando a ofensiva que venceria a Segunda Guerra Mundial.
O objetivo de Spielberg parece ser apresentar o desespero e a crueldade da experiência no front para uma geração de espectadores crescidos diante da frieza e esterilidade da guerra vista ao vivo pela TV. O combate contra o nazi-fascismo é filmado como antes o cinema só propiciara reconstituir a Guerra do Vietnã, a partir dos 80. A incrível mobilidade conquistada para a câmera garante um realismo antes apenas sonhado.
A câmera cai no mar e levanta-se, imitando a queda dos soldados. A lente não é limpa do contato com água, areia e "sangue". Da velocidade das imagens à cor pouco saturada, tudo remete ao cine-documentarismo da época -mais precisamente, às sequências censuradas, em nome da manutenção de uma elevada moral.
O tratamento sonoro segue a mesma linha de radical realismo. Os sons de tiros compõem uma macabra sinfonia, abafados pelo impacto na carne ou metálicos quando atingem armas e capacetes. Por vezes instala-se um quase silêncio, num efeito que mimetiza a surdez posterior a uma explosão.
A postura da tropa que chega à Normandia rompe com o tratamento heróico típico das versões cinematográficas anteriores. Ainda em alto-mar, a mão do comandante treme, recrutas vomitam, a máscara de terror iguala todos.
Essa quase meia hora de desespero e carnificina é a resposta de Spielberg a meio século de glamourização hollywoodiana da Segunda Guerra. É curioso que o diretor de "A Lista de Schindler", e inúmeros outros filmes direta ou indiretamente relacionados com o conflito ("1941", "Caçadores da Arca Perdida", "Império do Sol"), tenha evitado citar em entrevistas o filme paradigmático da tendência a que agora responde.
Em 1962, dezessete anos após o fim do guerra, Darryl F. Zanuck (1902-1979) deu sua épica e internacionalista versão em "O Mais Longo dos Dias". Escalou todos os ícones disponíveis, de John Wayne e Henry Fonda a Richard Burton e Sean Connery. A pretensão era produzir o filme definitivo sobre o início do fim da guerra.
Das três horas de "O Mais Longo dos Dias" o mesmo desembarque, preparado por acordes da "Quinta" de Beethoven, ocupava sete minutos. Um destemido Robert Mitchum comandava sua tropa praia adentro. O som dos tiros era abafado pelos gritos eufóricos dos recrutas.
Mas "O Resgate do Soldado Ryan" revisita "O Mais Longo dos Dias" apenas em sua primeira e antológica metade. Depois da tragédia, a missão. Um grupo de oito homens é enviado para resgatar o único sobrevivente dos quatro irmãos Ryan (Matt Damon), perdido em algum lugar da França ocupada. O roteiro de Robert Rodat não economiza em clichês na composição e atuação do time.
Os principais são o capitão cético (Tom Hanks), o sargento violento (Tom Sizemore), o atirador neurótico (Barry Pepper), o recruta sofisticado (Ed Burns) e o medroso soldado-tradutor (Jeremy Davies, um misto de Audie Murphy e Charlie Sheen).
Entre batalhas localizadas e querelas entre si, todos têm oportunidade de solar. Diálogos pouco sutis reafirmam o inferno da guerra e o absurdo da tarefa. O encontro de Ryan é um anticlímax, mal compensado pelo desafio final imposto pela resistência dele em partir: a defesa de uma ponte contra um ataque alemão.
Não é apenas a inconsistência dramática que arrefece o impacto do final do filme. Os ecos da sequência de abertura ainda empalidecem qualquer nova encenação. Parece pouco a volta de Spielberg à eficiência costumeira.
O epílogo retoma o prólogo. A bandeira americana encerra o filme da mesma forma que o abriu, em outra concessão ao patriotismo melodramático. Por sorte, nada disso agarra-se à memória, congestionada por 25 minutos de imenso cinema.



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