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São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2003

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ANÁLISE

Premiação importa onda roqueira retrô

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Marcelo D2 consagrou o samba-rap no VMB, mas não foi o grande vencedor da noite. Quem triunfou na versão 2003 da premiação da MTV foi o rock cru e pesado, vitorioso em seis das 15 categorias. Dá o que pensar.
Significa a importação de tendência parecida do pop norte-americano atual, hoje dominado por bandas como Strokes, Electric Six, White Stripes, Yeah Yeah Yeahs, Kings of Leon, Hives etc.
Lá a ascensão de bandas regressivas que miram o rock dos anos 70 faz todo sentido -é a versão musical do agressivo conservadorismo da era Bush. No Brasil dito progressista de Lula, o sentido é o primeiro a ruir.
Daí o contraponto estabelecido pelos artistas de periferia que subiram ao palco -os rappers de gueto do RZO e o papa internacional do drum'n'bass Patife. Seus discursos desconexos, de uma carência quase desesperada, clamavam nas entrelinhas: esqueçam a América, olhem para nós.
Era a tensão social subindo ao púlpito do VMB -e se espalhando pela festa esnobe de depois da arrastada cerimônia. Ali, os felizardos portadores de convite se dividiam entre os mais, que ficavam emparedados na sala VIP, e os menos, que se aglomeravam no portal numa versão "chique" de acampamento de sem-terra.
A metáfora era a incomunicabilidade amedrontada em que se meteram em 2003 as elites do pop e da MTV. Caetano Veloso, apresentando show com barba postiça tipo Los Hermanos, podia ser o Lula daquele tenso ambiente.
O constrangimento de comunicação se materializou de vez na entrega do prêmio de melhor clipe de MPB. Marina Lima, Daniela Mercury e Paula Toller bateram cabeça no texto mal decorado e fizeram propaganda dos discos que lançaram pela MTV.
Então anunciaram o prêmio de MPB para um Gilberto Gil que cantava em inglês um reggae jamaicano. O ministro apareceu no telão, anunciando que sua filha Preta Gil ia receber a estatueta por ele. Bem quando Preta está se lançando como cantora.
Enquanto ali cada um falava uma língua e ninguém ouvia ninguém, uma bandeira do Brasil foi parar no palco do Charlie Brown Jr., que era o favorito disparado da audiência, tocava rock pauleira acústico e protagonizava anúncio de Coca-Cola nos intervalos.
Sede não era nada, imagem era tudo. E o Brasil, no VMB, se confinava aos discursos desamparados dos rappers e à fala represada (em inglês) de Daniela Mercury.


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