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"BEM-VINDO AO CLUBE"
Romancista Jonathan Coe retrata mutações da juventude nos anos pré e pós Margaret Thatcher
Escritor faz girar história inglesa recente
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Berlim, Alexanderplatz. É nessa
praça, que também dá título à famosa série do cineasta
alemão Rainer Werner Fassbinder, que o inglês Jonathan Coe, 43,
escolheu para começar e encerrar
os romance "Bem-Vindo ao Clube" e sua seqüência -a ser lançada na Inglaterra em setembro-
"O Círculo Fechado".
As narrativas acompanham um
grupo de personagens, oriundos
principalmente da cidade de Birmingham (Inglaterra), em períodos pré e pós Margaret Thatcher.
Mas Coe optou pelo cenário inaugural da Alexanderplatz por causa
de um café giratório.
Ele queria produzir uma seqüência de ficções num desses
restaurantes rotatórios (a inspiração veio a Coe quando conheceu
o de Cingapura): a história terminaria quando o restaurante voltasse ao ponto inicial. "Acabei escrevendo apenas dois romances
-que não é lá muito uma seqüência!- mas a idéia permaneceu", diz o escritor à Folha.
Coe passou meio despercebido
no Brasil em julho deste ano,
quando veio para a Festa Literária
Internacional de Parati. É uma injustiça. Escritor prolífero, mas dos
mais interessantes, sabe dosar
emoção com boas manobras de
estilo e crítica social não sectária.
Ganhou o prêmio do Writers"
Guild e o John Llewellyn Rhys.
Também escreveu biografias dos
atores Humphrey Bogart e James
Stewart e do escritor B. S. Johnson.
Leia a seguir, trechos da entrevista, em que Coe fala sobre música, cinema, política de Thatcher e
de Tony Blair entre outros temas.
Folha - Nos anos 70, como alguns
personagens de "Bem-Vindo ao
Clube", o senhor aderiu ao rock
progressivo ou ao punk?
Jonathan Coe - A nenhum dos
dois. Minhas bandas favoritas, de
quando eu era adolescente, foram
Henry Cow, Caravan, Hatfield
and the North -as chamadas
bandas da "cena da Cantuária". A
música é complexa, mas não
pomposa, experimental, mas
acessível -qualidades a que aspiro em minha ficção. Fiz parte de
uma banda num breve espaço de
tempo na década de 1980. Tentamos tocar esse tipo de música,
mas era o momento histórico errado, para dizer o mínimo!
Folha - A certa altura, J.R.R. Tolkien (nascido em Birmingham) é
acusado de racismo. Esse tipo de
ataque ao autor de "O Senhor dos
Anéis" era comum?
Coe - Não muito. O que é interessante, acerca de Tolkien, é que
ele foi aproveitado, em momentos diferentes, por todo tipo de
movimentos políticos -de fascistas a ambientalistas, que o alçaram à condição de porta-voz.
Quanto a mim, creio que sua
ideologia, no que diz respeito a "O
Senhor dos Anéis", é muito conservadora, mas não é racista.
Folha - No seu livro, um galês acusa os ingleses de serem cruéis e imperialistas. O senhor concorda?
Coe - Pode-se acusar outros países europeus de crimes similares,
através da história. O discurso do
tio de Cicely, que defende bem seu
ponto de vista, é mais anticolonialista do que anti-inglês.
Folha - O que representou, para o
senhor, a mudança para a era ditada pelo mercado, instaurada por
Margaret Thatcher, oposta a tudo
que seu romance descreve?
Coe - As conseqüências estão à
nossa volta -a priorização do estilo sobre a substância, o modo
como julgamos o valor das pessoas em termos monetários, e não
em termos de sua contribuição
para a sociedade. Um terrível senso de ironia enfastiada e repúdio
ao conhecimento, que nada tem a
ver com a humildade e sinceridade às vezes cômicas que havia na
cultura britânica dos anos 70. Mas
a culpa não é de Thatcher como
indivíduo. Essas forças já estavam
presentes, como corrente subterrânea. Ela apenas as libertou.
Folha - O senhor também escreveu biografias de Humphrey Bogart e James Stewart...
Coe - Escrevi esses livros por dinheiro. Dos dois, prefiro o que
trata de James Stewart, porque
gosto muito de seus filmes com
Anthony Mann e Hitchcock, especialmente "Um Corpo que
Cai". Mas não me sinto confortável com biografias e só escreverei
outra se me apaixonar pelo tema.
Folha - Mas o senhor também lançou uma monumental biografia sobre B.S. Johnson, um autor bastante desconhecido. Que aspectos o
interessaram aí?
Coe - Na década de 1980, quando
meu ponto de vista sobre a ficção
era mais estridente e imaturo,
atraíram-me o radicalismo de
Johnson, sua ênfase num romance mais experimental. Agora eu o
aprecio mais por sua franqueza
emocional, sua honestidade, e pela qualidade de sua prosa -ele é
um dos maiores estilistas da prosa
inglesa dos anos de 1960. Creio
que também fui atraído por sua
veia melancólica.
Folha - Quais são seus cineastas
favoritos?
Coe - Billy Wilder, Billy Wilder e
Billy Wilder.
Folha - E filmes?
Coe - "Se Meu Apartamento Falasse", "Quanto Mais Quente Melhor", "Avanti! Amantes à Italiana", "A Vida Íntima de Sherlock
Holmes" e a maioria dos outros
filmes de Billy Wilder.
Folha - "O Círculo Fechado" será
lançado na Inglaterra em setembro. Que podemos esperar desse
seu novo romance?
Coe - Os mesmos personagens,
20 anos mais tarde, mais velhos,
tristes e não muito mais sensatos.
Um país transformado, a ponto
de ser tornar irreconhecível, por
duas décadas de thatcherismo (ou
"blairismo", que é a mesma coisa). E um retorno àquele café giratório em Berlim, Alexanderplatz!
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