São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2005

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Como nasce um programa

Divulgação/TV Globo
Elenco de "Quem Vai Ficar com Mário?", que volta a ser testado pela Globo no final deste ano e concorre a vaga na grade de 2006


Globo adota criação livre com avaliação coletiva e testa em dezembro cinco séries, que podem ganhar temporadas em 2006

DANIEL CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Na TV, nem tudo se copia, algo se cria. As criaturas podem ser apenas variações de formato e temas manjados, mas, justiça seja feita, há sim esforço para se criar algo novo na televisão brasileira.
Emissoras como Globo, Bandeirantes e Record mantêm estruturas internas criativas. A Globo, desde 2003, vem aperfeiçoando um processo de criação inédito no país. Desse processo, saíram cinco séries e um programa infantil que serão testados como especiais de fim de ano. Há boas chances de duas séries virarem programas fixos no ano que vem, às sextas (após "Globo Repórter") e aos domingos (em eventual vaga de "Sob Nova Direção", que surgiu em seleção semelhante, em 2003).
Serão avaliados pela audiência os projetos "Os Amadores" (drama com humor), "Tocando a Vida" (série romântica protagonizada por um motoboy) e "Cá Entre Nós" (um novo "Sai de Baixo"), além de "Quem Vai Ficar com Mário?" e "Correndo Atrás", já apresentados no final de 2004. O infantil, "Clara e o Chuveiro do Tempo", terá quatro episódios, aos domingos, às 13h.
Esses projetos passaram por um funil que reunia em junho 54 propostas. O ciclo começou em janeiro. Em fevereiro e março, parte dos projetos foi encomendada pela direção artística da Globo a autores e diretores. Outra grande parte foi criação livre, espontânea.
Dos 54 projetos inscritos, foram pré-selecionados 16 (11 séries e cinco infantis). Esses 16 foram apresentados e defendidos por seus responsáveis durante dois dias, no início de agosto, em um hotel em Angra dos Reis (RJ). Participaram da convenção, que a Globo chama de "Encontro de Criação", cerca de 80 profissionais, incluindo a cúpula da emissora (diretores de centrais, de todas as áreas), diretores de núcleos de produção (o segundo escalão da área artística), diretores de programas, autores e roteiristas.
Nos encontros de 2003 e 2004, os projetos eram analisados por comissões, num "brainstorm" coletivo. Em 2005, houve algo parecido como os "pitchings" (processo em que o autor tem que vender seu projeto), comuns nos EUA e usado pelo canal GNT.
"Neste ano a disputa foi maior e houve uma profissionalização das apresentações", diz o roteirista Mauro Wilson, 47, co-criador de "Quem Vai Ficar com Mário?" e autor-solo de "Os Amadores".
Para "vender" bem suas propostas, diretores como Denise Saraceni (que defendeu "Primo Prima", sobre dois primos negros, com Taís Araújo e Lázaro Ramos) e Márcio Trigo ("Clara e o Chuveiro do Tempo") recorreram a recursos de animação. José Alvarenga Jr., diretor de "Os Amadores", levou uma espécie de "making of de algo que não existe", com os atores do projeto apresentando seus personagens. Roteiristas de "Zorra Total" apresentaram um projeto, com a maquete do cenário, sobre casal separado que continua morando junto. E José Lavigne (diretor de "Casseta & Planeta") usou fotonovela para defender "Levando a Vida".
No ano que vem, a direção da Globo deve conceder uma verba a cada um dos projetos pré-selecionados para que seus responsáveis façam uma boa apresentação.
"Acho fantástico ter esse espaço. Os encontros de criação democratizam o acesso de autores e diretores. Antes, tínhamos que apresentar nossos projetos aos diretores de núcleo, que podiam gostar ou não. Agora, temos a chance de mostrar para os principais executivos", afirma Alvarenga Jr., que dirigiu "Os Normais".
No encontro de criação de 2005, o quinto, surgiu outra novidade: cada um dos participantes recebeu uma cédula para votar se cada projeto deveria ou não ter uma chance. O resultado não foi divulgado, até porque a escolha dos projetos cabe à direção artística, que leva em consideração fatores como o "fôlego" (se ele rende oito episódios, por exemplo) e a agenda de autores e diretores -"Primo Prima" foi bem recebido, mas não foi aprovado porque Saraceni está no comando da próxima novela das oito, "Belíssima".
O fato de ter boa audiência no final do ano não significa que o projeto será aproveitado em 2006. Primeiro, é preciso ter vaga (em 2005, não houve, e "Quem Vai Ficar com Mário?", que deu 41 pontos em 2004, não emplacou). Ainda não é oficial que "Carga Pesada" e "Sob Nova Direção" sairão do ar. Havendo vagas, o programa passará por novas avaliações da cúpula da Globo e por pesquisas com grupos de telespectadores -como ocorreu com "A Diarista", revelado em 2003.
A predominância de projetos de humor tem uma explicação econômica: séries de ação custam até o triplo (R$ 500 mil por episódio) do que humorísticos, mas nem sempre dão mais audiência.
O processo tem seus críticos. Ex-vice-presidente de operações da Globo, José de Oliveira Sobrinho, o Boni, duvida de sua eficiência. "O modelo é empírico. O sujeito tem uma idéia, e resolvem testá-la. Isso não funciona, tem de haver embasamento científico. Programas se criam com pesquisa e sob encomenda, sabendo-se qual público, audiência e objetivos quer atingir."
Para José Lavigne, 18 anos de Globo, o sistema é uma evolução. "Antes, você tinha que ser amigo de alguém para aprovar um projeto. Hoje, há concorrência."


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