São Paulo, sexta-feira, 28 de agosto de 2009

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NÃO GOSTEI

Crítica/ "Anticristo'/ Péssimo

Sensação é de constrangimento palpável

EDUARDO VALENTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No prólogo que abre "Anticristo", o tom solene e hiperestilizado criado pela fotografia em preto e branco, o uso da câmera lenta e da música de Handel fazem o espectador se perguntar sinceramente se há ou não um desejo latente de fazer daquilo tudo uma ironia com algumas imagens clichê, principalmente de matriz publicitária.
Enquanto persiste essa dúvida, há no filme um saudável incômodo. Infelizmente, a partir do momento em que migra para o ambiente da floresta onde passa maior parte da sua duração, a sensação que domina "Anticristo" é mesmo a de um constrangimento palpável.
Marcado acima de tudo por um tom autoimportante em cada um dos seus planos, "Anticristo" parece tristemente inconsciente de quão rasa é sua força simbólica, da obviedade extrema de suas implicações existenciais e filosóficas ou do quanto leva a sério alguns dos diálogos mais constrangedoramente patéticos do cinema recente -isso sem entrarmos no já mais que batido assunto de descarada e inegável misoginia ou da presença de uma certa raposa falante.
Embora o diretor aspire a um diálogo direto com o cinema de horror, "Anticristo" padece sobretudo da incapacidade em criar uma sensação palpável de real perigo ou tensão, apelando sempre que possível para imagens pretensamente chocantes (mas, no fundo, simplesmente moralistas) e frases de efeito.
Se consegue uma entrega bastante completa de seu casal de atores, o filme não chega a permitir que os mesmos construam seus personagens para além de arquétipos bastante simplórios com os quais se pretende discutir os papéis do masculino e do feminino.
Para os muito pudicos, o filme certamente é garantia de polêmica e choque, mas de fato a triste constatação com que ele nos deixa é a da perda de relevância de um cineasta que já foi capaz de criar incômodo verdadeiro a partir da manipulação da matéria cinematográfica (em filmes como "Dançando no Escuro", "Ondas do Destino" ou "Os Idiotas").
Famoso pela personalidade confrontadora e polêmica, sempre capaz de mobilizar a mídia, Lars von Trier parece ter se tornado, tal e qual o prólogo deste seu novo filme, um inconsciente pastiche de si mesmo. Restam agora apenas os elementos do marketing e da polêmica fácil, sem nenhuma substância artística.
Pretenso "anticristo" do cinema mundial, o realizador dinamarquês passa aqui a sensação de ser pouco mais do que um menino malcriado tentando desesperadamente chamar a atenção com gritos ofensivos num almoço de família. Pode até conseguir atenção por alguns momentos, mas no fundo não há nada de revolucionário.


Avaliação: péssimo



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