São Paulo, sexta, 28 de agosto de 1998

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Depois da mulata, negro vira 'homem-objeto'

da Reportagem Local

Depois da Globeleza, símbolo da forma como são apresentadas as mulatas e negras na TV, chegou a vez de os negros serem mostrados como objetos de desejo.
Um dos aspectos que mais chamou a atenção dos pesquisadores da USP foi o novo tratamento dado a jovens atores negros.
Construiu-se o estereótipo do negro "homem-objeto" -bonito, sensual, cuja beleza é explorada da mesma forma como são exploradas a beleza e a sensualidade das mulheres negras ou mulatas.
Um exemplo disso foi o papel vivido por Norton Nascimento na novela "A Próxima Vítima" (95), de Silvio Abreu. Na trama, ele namora uma mulher branca, mais velha (Mila Moreira), que não quer ter um relacionamento estável com ele, só namorá-lo.
"As novelas em geral, ao retratarem mulatas, reforçam a visão estereotipada de mulheres boazudas e sensuais. Agora, isso também passou a valer para os homens negros", diz Solange Couceiro de Lima, professora da ECA.
Nem sempre uma manifestação racista é resultado da criação do autor da novela. Às vezes, aparece como consequência do trabalho de outros profissionais.
Na novela "Fera Ferida", de Aguinaldo Silva, por exemplo, a personagem Clara era uma adolescente criada com muitos cuidados pela família para ser a líder de uma irmandade de mulheres negras.
A música que servia como tema para ela -e que não foi escolhida pelo autor da história- era "Da Cor de Pecado", um samba-choro de Bororó, de 1939, cujos primeiros versos dizem: "Esse corpo moreno, cheiroso e gostoso que você tem é um corpo delgado, da cor do pecado, que faz tão bem".
"É um preconceito mostrado de forma muito sutil. A personagem não era sensual, era uma adolescente virgem -por que essa música, então?", pergunta Solange.
Outro indicador interessante das manifestações de preconceito é a frequência com que se muda a trama no que se refere a um personagem negro. A história parece caminhar para um determinado desfecho, mas de repente ela muda de rumo -e o negro ou a negra desaparece da novela ou não se cumpre o que tinha sido antecipado pelos próprios personagens.
Um exemplo recente aconteceu na novela "Por Amor", em que havia um casal com um branco (Paulo César Grande) e uma negra (Maria Ceiça). Ela queria ter um filho; ele, não, exatamente pelo medo de ter um filho que não fosse branco. Depois de muitas brigas e de abortos provocados, acabam tendo uma filha, que nasce loira.
Em várias ocasiões, eles conversam sobre ter outro filho -que nunca nasceu-, que seria mulato como deixou entender o autor.
Solange está terminando de escrever um relatório sobre seus estudos para a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que financiou parcialmente a pesquisa. O estudo faz parte dos projetos do Núcleo de Pesquisas de Telenovela da ECA. (CGF)



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