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CINEMA
Mostra que presta homenagem ao documentarista americano abre hoje com "Corações e Mentes", no Festival do Rio
Peter Davis expõe o lado obscuro da América
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Tem início hoje, com o provocante "Corações e Mentes", a
mostra "O Documentarista Peter
Davis", que o Festival do Rio 2004
dedica ao consagrado jornalista,
produtor e realizador americano.
Concebido entre 1972 e 1973 e
apresentado pela primeira vez no
Festival de Cannes de 1974, onde
foi aclamado tanto pela crítica
quanto pelo público, "Corações e
Mentes" é um dos raros documentários cujas verdades e importância crescem e se solidificam
com o passar do tempo.
Não sem razão, a investigação
de Davis sobre a Guerra do Vietnã
recebeu o Oscar da categoria em
1975. Na obra, o diretor, cujo
principal objetivo como cineasta
tem sido combater os preconceitos, o racismo e a exclusão social,
busca demonstrar que as causas
do extenso conflito são intrínsecas à cultura americana: militarismo exacerbado e racismo.
Editado para 110 minutos, de
cerca de 200 horas rodadas originalmente, "Corações e Mentes"
mostra com leveza e força incidentes anedotas da guerra ao som
de música popular americana,
além de clipes de filmes de Hollywood, imagens de arquivo e entrevistas de personalidades políticas, ex-combatentes americanos e
sobreviventes vietnamitas.
Ele foi, aliás, o primeiro documentário que deu voz ao "inimigo" e explicitou os efeitos nefastos
do conflito sobre a população local. Todavia a maior preocupação
de Davis é estudar o impacto da
experiência dos EUA no Vietnã
em sua própria população. Sua
meta: estudar os corações e as
mentes dos americanos.
A controvérsia em torno do filme foi tamanha que, na entrega
do Oscar, Bert Schneider, engajado co-produtor da obra, leu uma
"mensagem amigável" da delegação do Governo Revolucionário
Provisório vietnamita, que negociava o final do conflito em Paris,
a "todos os americanos". Vale
lembrar que se trata de um dos
períodos mais delicados da história para os americanos.
Mas, como definiu Judith Crist,
crítica e professora de escrita analítica da Universidade de Columbia (EUA), "Corações e Mentes"
mudou o modo como documentários políticos são realizados.
Defesa dos excluídos
Contudo, o escopo da filmografia de Davis é bem mais amplo,
embora a defesa dos excluídos seja seu fio condutor. Desde o início, em 1968, ele mostrou seu talento, com "A Herança da Escravidão" e "Fome na América".
O primeiro interpreta o fenômeno mais vergonhoso da história americana, a escravidão, e estuda suas graves conseqüências,
que se perpetuam hoje. Nele descendentes de escravos e de proprietários de escravos surgem para provar que a mentalidade que
permitiu o advento da escravatura ainda está bem presente na sociedade contemporânea.
"Fome na América" relata o cotidiano desesperado e desolado
de americanos de diferentes origens que vivem à margem do sistema, cujo objetivo é apenas encontrar alimentos para si e para
seus filhos. Este, aliás, também
constitui a maior dificuldade para
aqueles que padecem das agruras
da fome: no caso, hispânicos do
Texas, negros do Alabama, brancos da Virgínia, indígenas do Arizona. O filme levou o Emmy de
melhor documentário de 1978.
Há ainda, na filmografia de Davis, o premiadíssimo "O Pentágono à Venda" (1971), sobre o poder
do aparato de propaganda do Departamento da Defesa dos EUA e
sua influência sobre o inconsciente coletivo do país, além de filmes
sobre John F. Kennedy, Nelson
Mandela e o apartheid.
A principal qualidade de Davis
é, indubitavelmente, sua capacidade de investigar a consciência
nacional dos EUA, compelindo os
americanos a perceber suas falhas
morais e a reavaliar os valores que
permitiram seu advento. E, ao fazê-lo, ele conquista o coração e a
mente de seu público.
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