São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Fotos Fernando Donasci/Folha Imagem
Platéia cheia depois de seis horas de show no 1º Funk Festival - Canta Cidade Tiradentes

Funk na periferia

Empresários da noite de São Paulo vão à Cidade Tiradentes para eleger o melhor funkeiro da zona leste

Jurado de um concurso de funk realizado no domingo passado, no extremo da zona leste de São Paulo, o quatrocentão Augusto Arruda Botelho, 31, parecia não saber exatamente o que o esperava. Ele nunca tinha ido à Cidade Tiradentes, região a 35 km do centro de SP. "Eu sou advogado criminalista de formação, até tinha uns clientes da zona leste, mas o máximo que eu conheço é São Miguel", grita ele, para ser ouvido embaixo de enormes caixas de som que emitem um "tum-tum-tum" altíssimo enquanto um jovem de camiseta regata larga e calça caindo na cintura canta um "funk pacificador".
Dono do clube Clash, de freqüência modernosa, Arruda Botelho diz que está no 1º Funk Festival - Canta Cidade Tiradentes para prestigiar o subprefeito Renato Barreiros (PSDB), 30. "Ele era o homem do Andrea Matarazzo na Subprefeitura da Sé e resolvia problemas com alvarás."

 

Na mesma mesa comprida, cheia de copinhos de plástico com água mineral, está Facundo Guerra, 34, o outro jurado (eram só os dois). Facundo é dono do bombado clube Vegas, de modernos e descolados, cujo glamour vem em parte do fato de estar no pedaço "barra-pesada" da rua Augusta, aquele freqüentado por prostitutas e...boyzinhos da periferia. Também convidado por Barreiros, Guerra parece aturdido com o "batidão". "Fizemos uma noite de funk no Vegas, há uns três anos, mas "flopou" (fracassou). Lá não dá certo."

 

De acordo com a PM, 10 mil pessoas estiveram no festival.
Cidade Tiradentes tem 260 mil habitantes e é considerado o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina. "Isso aqui é como um estado comunista, tudo foi loteado pelo governo, então fica difícil abrir qualquer casa com iniciativa privada. A boate mais próxima é em Itaquera", diz o subprefeito. O auxiliar Ronaldo Gomes, de 19 anos, confirma. "Não tem nada pra fazer aqui. Uma festa como essa acontece de quando em quando, de eleição em eleição." Os candidatos do festival não podiam cantar letras com alusão a drogas, violência ou sexo. Foi quase assim.
A maior parte das músicas apresentadas pelos 15 concorrentes (selecionados entre 30) tinham de fato uma "pegada pacificadora", com versos que rimavam "comunidade oprimida" com "ferida", "mente" com "consciente", "felicidade" com "oportunidade". Mas o funk não era tão da paz a ponto de descaracterizar o movimento que surgiu nos morros cariocas e que tem como uma de suas maiores estrelas a desbocada Tati Quebra Barraco. Ouviam-se letras estilo: "Chaco, Chaco no buchaco, só no talento pra não machucar". E também "proibidões", como: "Pega lá, pega lá, bolinhá pra nós tomá".

 

As meninas, de sombra azul, calça jeans muito justa (elas chamam de "leg") e casacos de náilon debruados com pele soltavam, no máximo, um "solt's'aporra, vai sentando..."
A sombra é um filete pintado na pálpebra superior que pode ser prateado, azul claro ou rosa. Será que é moda? "Eu sou cabeleireiro e maquiador: tá na moda, sim. Não só aqui, é uma tendência nacional", explica Jurandir Reis, 26. As mulheres dançam (em fila, abaixando enquanto rebolam), e os homens olham.
"Onde elas tá, nós tá", diz o motoboy Izaias, 25, com um grupo de amigos, usando touca, casaco de moletom e óculos estilo corredor mascarado (de "Speed Racer"). "As mina aqui paga a mó rajada", diz Eduardo Santana, 17, cabelo crespo alisado, engomado e espetado para o alto, casaco de pele emprestado, óculos máscara.

 

De repente, rola um cheiro de "proibidão" no ar. O subprefeito Barreiros explica que no show da cantora Madonna "também tem maconha". "Se a gente não fizer o festival por causa disso, vai prejudicar um número muito maior de pessoas, que nunca têm essa oportunidade de assistir a um show." Barreiros conta que a região era reduto de hip hop, mas aos poucos o funk da Baixada Santista subiu a serra. Fim de show, início da premiação. Arruda Botelho e Facundo Guerra não chegam a interagir.
Do palanque entram na van que foi buscá-los, mais certos ainda de que funk não é a deles.


Reportagem de PAULO SAMPAIO


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