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Cláudia Raia encarna sua versão global de "mutante"
Em "A Favorita", atriz prepara a ex-caipira e ex-rica Donatela para ser, de novo, 'ela mesma'
Aos 41 anos e na 11ª novela, ela afirma que Donatela, terceiro papel dramático de sua carreira, seja "talvez o mais difícil" de sua vida
AUDREY FURLANETO
ENVIADA ESPECIAL AO RIO
"Esta sou eu: Cláudia. Pernas
esticadas, ombros certos." Cruza a sala de espelhos da aula de
balé, elegante, quase nas pontas dos pés. "Esta é ela." Cláudia
Raia, então, relaxa os ombros e
caminha com as pernas levemente abertas, postura que lhe
dá um pouco de dor no pescoço
desde junho, quando estreou
Donatela em "A Favorita".
A personagem dará mais
uma de suas viradas na novela
das oito: será, de novo, ela mesma. Para entender: Donatela
era pobre, fez parte de uma dupla sertaneja, ficou rica, botou
mega-hair, perdeu tudo, passou
uma temporada na prisão, cortou o cabelo, tentou fugir da cadeia por uma tubulação, adotou
uma peruca loira e lentes de
contato azuis para se passar por
uma mulher que teria sido abduzida por extraterrestres e,
agora, deve reaparecer -sem
peruca, de cabelo curto- para a
família que a julgava morta.
A "sobrevivente do inferno",
como Raia resume Donatela, é
o terceiro personagem "dramático" de sua carreira. "É talvez o
mais difícil que já fiz", diz ela,
que, 41 anos e 11 novelas no currículo, é mais lembrada por papéis cômicos, como Tancinha,
de "Sassaricando", e a presidiária Tonhão, do "TV Pirata".
"Qualquer texto que eu pegue na vida, vou achar graça.
Porque o meu olhar é de comediante", afirma. Além de Donatela, seus dois outros personagens dramáticos foram em
"Engraçadinha" (1995) e em
"Torre de Babel" (1998).
Para o primeiro, aliás, Raia
fez um teste clandestino, já que
o diretor (Carlos Manga) dizia
que ela estava longe de ser uma
"atriz rodriguiana". "A Denise
[Saraceni] me disse: "Você pagaria o mico de ir à noite de peruca no Projac?". Eu fiz o teste
na surdina. Ele viu e ficou chocado: "Ela é a "Engraçadinha'".
E completa: "A gente é ator.
Quer exercitar tudo".
Professor de drama
Para o "exercício" de drama
com Donatela, a atriz se inspirou no neo-realismo italiano.
"A Donatela tem muito da Anna Magnani e da Sophia Loren
nos filmes dramáticos", diz.
Também recorreu ao ator e
amigo Cacá Carvalho, que, ela
conta, classificou o papel como
"jóia rara" ao ler a sinopse. Desde o convite, os dois estudam
juntos os capítulos e "cada sentimento" da personagem.
"Alugamos uma sala de dança em São Paulo e ficávamos
seis, sete horas trabalhando ali
dentro. Fazendo corpo, laboratório, o mundo pobre dessa
mulher, a coisa country. Criamos o sotaque, que é minha
memória do interior de São
Paulo...", conta. "A grande sacada [de Carvalho] foi ver a profundidade dela, de uma mulher
que não é entendida, extremamente agoniada. Trabalhamos
muito a dubiedade", diz.
Com a maratona de Donatela, os encontros passaram a ser
via Skype e duram até seis horas nos finais de semana. "Ele
diz para eu fazer esse ou aquele
sentimento dela, e eu vou anotando. Eu faço. E nunca tá bom,
claro. Ele acha sempre que tá
tudo ruim. Mas fica orgulhoso
de coisas que vê no ar."
A atuação de Cláudia Raia
não inclui visão de raio-X, lançar bolas de fogo ou congelar
inimigos, mas a atriz vive uma
mutação na novela que ajudou
a manter distante os reais "mutantes" da novela da Record. "A
Favorita" e a mutante de João
Emanuel Carneiro ajudaram a
garantir média de 38 pontos na
Grande São Paulo, entre os dias
8 e 14 deste mês.
O próprio autor Silvio de
Abreu, que deu a ela o papel
dramático de Ângela em "Torre
de Babel", diz que não perde
um capítulo de "A Favorita"
-mas seu interesse diminui
quando Donatela e Flora (Patrícia Pillar) não estão no ar.
"É uma opinião. A novela é
mesmo muito focada na trama
central. Essa história é tão forte
que as pessoas querem ver, e o
João não abre mão disso",
avalia Raia.
Soneca
Nos últimos dias, a atriz chegou a fazer 12 cenas por capítulo -são, em média, 30 cenas
por capítulo. "Tem micos do tipo: eu caio dormindo, e o Edson
[Celulari, marido de Raia] me
tira de cima do texto feito uma
velhinha: "Tá bom, amor. Você
não tá decorando mais nada'",
conta. "Esse personagem é
muito raro, sinto que é meio
único na carreira. Mas isso não
me faz melancólica", diz.
Restam os fins de noite para
estudar os textos porque, quando deixa os estúdios do Projac
cedo (cerca de 19h), Raia segue
para a aula de balé, na Gávea,
perto de sua casa.
Faz uma hora de exercícios
de duas a três vezes por semana
-é filha de bailarina, dança
desde criança- e alterna aulas
de canto, que podem terminar
depois das 22h. Quer estar
sempre pronta para a possibilidade de atuar num musical.
No dia seguinte, tem de acordar às 7h. "Dá para você melhorar minha olheira no Photo-
shop depois?", pede ao fotógrafo, ao fim do dia. Não deu. A Folha não retoca suas fotos.
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