São Paulo, terça-feira, 28 de setembro de 2010

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

A paz impossível


Acordo para acabar com o acirrado conflito entre judeus e árabes foi adiado para o século 22


CAMP DAVID. Eis o nome. Na história do conflito Israel-Palestina, esse é o lugar sagrado. Nas enciclopédias, Camp David é apresentado como o retiro de férias dos presidentes norte-americanos.
Mas, na história do conflito, Camp David é mais que isso. Camp David significa, em tempos distintos, uma grande vitória e um grande fracasso.
A grande vitória aconteceu em 1978 e 1979. Atores: o presidente egípcio Anwar Sadat, o premiê israelense Menachem Begin e Jimmy Carter, presidente americano, no único momento verdadeiramente digno do seu mandato.
O Egito, que esteve presente em todas as batalhas contra Israel desde a fundação do Estado judaico, assinava um tratado de paz que dura até hoje. Verdade que Sadat, pela ousadia de ter reconhecido a "entidade sionista", seria assassinado em 1981. Mas o crime só qualifica a grandeza do gesto.
Exatamente o contrário do que sucedeu em 2000, o ano do grande fracasso. Mesmo lugar, novos atores: Yasser Arafat pela Autoridade Palestina; Ehud Barak como premiê israelense; e Bill Clinton como mestre de cerimônias.
Nos manuais da especialidade, esse segundo encontro de Camp David ficou conhecido como "the make or break summit". A cúpula do tudo ou nada. Foi nada. E isso quando Barak estava disposto a oferecer tudo: a reconhecer um Estado palestino independente; a dividir Jerusalém e até a aceitar alguns dos refugiados palestinos das guerras de 1948 e 1967. No fundo, Barak oferecia as exigências que são hoje feitas pelos palestinos "moderados" e pela comunidade internacional.
Em troca, esperava-se que Arafat fizesse o mesmo que Sadat fez antes dele: que firmasse a paz com o estado judaico. Arafat, provavelmente por temer um destino igual ao de Sadat, recusou.
A recusa de Arafat não é apenas o gesto mais infame na história das lideranças palestinas. A recusa de Arafat, sem que houvesse ao menos o esforço de uma contraproposta, marca um momento sem retorno no conflito.
Primeiro, pelo agravamento interno da situação: depois do fracasso de Camp David, Israel e os palestinos mergulhariam na "segunda intifada", ainda mais mortífera do que a primeira (em 1987).
Mas, sobretudo, pelo agravamento externo: em 2001, os Estados Unidos iriam sofrer um brutal atentado terrorista em suas fronteiras. Como resposta, vieram duas guerras: no Afeganistão e no Iraque. E, com a destruição da estrutura sunita iraquiana, o Irã acabaria por emergir como potência na região.
Esse terremoto acabaria por ter implicações no próprio conflito Israel-Palestina. Em 2006, o Hamas, um grupo terrorista treinado e financiado por Teerã, venceria as eleições em Gaza. No mesmo ano, o Hezbollah, outro satélite iraniano, arrastaria Israel para novo confronto no Líbano.
Como se tudo isso já não bastasse, a partir de 2007 Gaza e a Cisjordânia deixaram de habitar o mesmo planeta: o ódio entre palestinos lançou o Hamas e a Fatah numa guerra civil "de facto". Hoje, não existe mais uma Palestina. Existem várias "Palestinas", vários feudos, que se odeiam e se aniquilam.
Camp David, em 2000, foi o canto do cisne. A recusa de Arafat e as convulsões históricas posteriores transformam qualquer negociação atual numa comédia de enganos.
E a comédia continua. Mahmoud Abbas e Benjamin Netanyahu ainda tentam ressuscitar o moribundo "processo de paz", sob os altos patrocínios de Clinton (Hillary) e do evangelista Obama. Mas o conflito entre Israel e a Autoridade Palestina é apenas um dos conflitos.
E mesmo que Israel, em gesto de sensatez, suspendesse todas as suas colônias em "território ocupado" e, mesmo que Mahmoud Abbas, em gesto milagroso, tivesse força ou autoridade para calar as armas na Cisjordânia, os outros conflitos continuariam.
Continuaria a luta de morte entre Israel e o Irã, ou seja, entre Israel e o terrorismo do Hamas (em Gaza) e do Hezbollah (no sul do Líbano); e continuaria a guerra "fraternal" entre o Hamas e a Fatah. Cada conflito não apenas agrava o quadro geral; cada conflito anula qualquer acordo, promessa ou aspiração. Um jogo de soma zero que ninguém pode ganhar. E que, em 2000, ninguém poderia sequer imaginar.
Não se iluda, leitor: a primeira década do século 21 adiou a possibilidade de paz entre árabes e judeus para o século 22.

jpcoutinho@folha.com.br

AMANHÃ NA ILUSTRADA: Marcelo Coelho


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