São Paulo, Quinta-feira, 28 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANÇA
Corajoso, Bel começa tudo de novo

ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

Em meio à luz chapada do palco, sem artifícios visuais ou sonoros, dois homens vestindo roupas comuns (calças e camisetas surradas pelo uso cotidiano) lidam com o deslocamento espacial de objetos -como um dicionário, uma bola de futebol, um aspirador de pó, um secador de cabelos.
Tal procedimento é o que se vê em cena durante os aproximados 60 minutos de "Le Nom Donné par L'Áuteur", espetáculo que o coreógrafo francês Jérôme Bel apresentou na terça-feira, em São Paulo, e ontem, no Rio de Janeiro.
Embora com grande risco de se tornar maçante para o espectador acostumado à representação cênica convencional, o espetáculo assume especial importância para a dança deste fim de século. Em meio a tudo o que já foi explorado em termos de coreografia e perante a sensação de esgotamento de propostas estéticas, Bel parte para o grau zero.
Corajosamente, parece disposto a começar tudo de novo. Ao contrário de alguns de seus pares na dança francesa, Bel não se volta para as tradições distantes, como África e culturas asiáticas, para reencontrar fontes primordiais da dança.
Distinguindo dança de coreografia, Bel procura repensar como a dança se faz em sua estrutura. Nesse exercício intelectual, nega códigos habituais de representação para se deter numa espécie de jogo de quebra-cabeças, em que o mínimo movimento de cada peça dá margem a novos significados e possibilidades de composição.
Para entender esses mecanismos com precisão, Bel recusa a ilusão teatral, a fantasia e, em seu percurso, também interroga os signos do consumo. Ao tentar novas funções para um aspirador de pó, por exemplo, abre indagações sobre a relação atual do homem com a máquina.
Sóbrio e minimalista, Bel interroga inclusive a perda de percepção do ser humano, à medida que a tecnologia apresenta soluções prontas, por meio de produtos que eliminam a noção do preparo, do processo em direção ao resultado.
Antecipando as lacunas que as "facilidades" modernas podem gerar, Bel força o espectador a se deter nos meandros da composição coreográfica. Ao eliminar a importância do espetáculo como produto acabado, chama a atenção para o trajeto, cuja tessitura e construção escapam cada vez mais em meio às informações instantâneas que o mundo atual proporciona.
Na história da arte, a recorrência ao grau zero não é novidade. Também rejeitando elementos como o virtuosismo e a representação espetacular, os integrantes do Judson Dance Theatre marcaram nos anos 60 a eclosão do pós-modernismo, nos EUA.
De tal movimento, surgiram minimalistas como Lucinda Childs, também voltada para a estrutura coreográfica. Como os ciclos históricos se repetem, surgem agora autores como Jérôme Bel -cujos trabalhos ganham importância não pela novidade, mas pela necessidade de, novamente, repensar e reverter a corrente.


Avaliação:    


Texto Anterior: Música: MPB ganha destaque na Alemanha
Próximo Texto: Hip Hop: Das Efx embala festa da Truck's
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.