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DANÇA
Corajoso, Bel começa tudo de novo
ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha
Em meio à luz chapada do palco, sem artifícios visuais ou sonoros, dois homens vestindo roupas
comuns (calças e camisetas surradas pelo uso cotidiano) lidam
com o deslocamento espacial de
objetos -como um dicionário,
uma bola de futebol, um aspirador de pó, um secador de cabelos.
Tal procedimento é o que se vê
em cena durante os aproximados
60 minutos de "Le Nom Donné
par L'Áuteur", espetáculo que o
coreógrafo francês Jérôme Bel
apresentou na terça-feira, em São
Paulo, e ontem, no Rio de Janeiro.
Embora com grande risco de se
tornar maçante para o espectador
acostumado à representação cênica convencional, o espetáculo
assume especial importância para
a dança deste fim de século. Em
meio a tudo o que já foi explorado
em termos de coreografia e perante a sensação de esgotamento
de propostas estéticas, Bel parte
para o grau zero.
Corajosamente, parece disposto
a começar tudo de novo. Ao contrário de alguns de seus pares na
dança francesa, Bel não se volta
para as tradições distantes, como
África e culturas asiáticas, para
reencontrar fontes primordiais
da dança.
Distinguindo dança de coreografia, Bel procura repensar como
a dança se faz em sua estrutura.
Nesse exercício intelectual, nega
códigos habituais de representação para se deter numa espécie de
jogo de quebra-cabeças, em que o
mínimo movimento de cada peça
dá margem a novos significados e
possibilidades de composição.
Para entender esses mecanismos com precisão, Bel recusa a
ilusão teatral, a fantasia e, em seu
percurso, também interroga os
signos do consumo. Ao tentar novas funções para um aspirador de
pó, por exemplo, abre indagações
sobre a relação atual do homem
com a máquina.
Sóbrio e minimalista, Bel interroga inclusive a perda de percepção do ser humano, à medida que
a tecnologia apresenta soluções
prontas, por meio de produtos
que eliminam a noção do preparo, do processo em direção ao resultado.
Antecipando as lacunas que as
"facilidades" modernas podem
gerar, Bel força o espectador a se
deter nos meandros da composição coreográfica. Ao eliminar a
importância do espetáculo como
produto acabado, chama a atenção para o trajeto, cuja tessitura e
construção escapam cada vez
mais em meio às informações instantâneas que o mundo atual proporciona.
Na história da arte, a recorrência ao grau zero não é novidade.
Também rejeitando elementos
como o virtuosismo e a representação espetacular, os integrantes
do Judson Dance Theatre marcaram nos anos 60 a eclosão do pós-modernismo, nos EUA.
De tal movimento, surgiram
minimalistas como Lucinda
Childs, também voltada para a estrutura coreográfica. Como os ciclos históricos se repetem, surgem agora autores como Jérôme
Bel -cujos trabalhos ganham
importância não pela novidade,
mas pela necessidade de, novamente, repensar e reverter a corrente.
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