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Campanha do PT para eleições pagou R$ 1.275.000 para ter Zezé Di Camargo & Luciano em showmícios
O preço da militância
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Foi-se o tempo em que Fafá de
Belém e Milton Nascimento, movidos por um ideal, apareciam em
comícios das Diretas Já!, entre
1983 e 85, com apenas um microfone improvisado e o gogó.
A campanha para a presidência
da República indica que existe
uma nova e esquisita maneira de
fazer política: os caros showmícios de militantes profissionais
[cantores populares], organizados por marqueteiros.
Quase não há transparência no
negócio. Poucos apontam os valores dessa militância. Perguntar
sobre cachê aos artistas e seus empresários é inútil. Mas um número dá a dimensão da transação: a
campanha de Lula pagou à empresa da dupla Zezé Di Camargo
& Luciano, até o fechamento desta edição, R$ 1.275.000.
Esse valor refere-se à infra-estrutura de onze comícios no primeiro turno e seis no segundo,
num contrato que estabelecia R$
75 mil por aparição. Detalhe. A
dupla, que fez campanha também
para o PSDB de MG, não cobrava
cachê, mas só subia no palco vizinho ao palanque se o dinheiro
fosse depositado três dias antes.
A Folha apurou que o cachê cobrado por shows da dupla é, em
média, R$ 150 mil.
Ricardo Kotscho, da campanha
de Lula, não estranha esse profissionalismo da militância. "O Zezé
Di Camargo e o Luciano se encaixam nesse perfil. Eles já fizeram
campanha para todo mundo, de
vários partidos. Normalmente, o
artista dá o show e vai embora.
Mas, já no segundo comício, o Lula conversou no palco da dupla, e
virou um diálogo político", diz.
"Em 1994, o Lula conheceu o
Duda Mendonça e queria que ele
fizesse sua campanha, mas o PT
vetou. Para 2002, Lula aceitou ser
candidato, mas impôs condições:
fazer campanha com o Duda e
contratar bom profissionais, não
mais fazer aquela campanha romântica", conta Kotscho.
Segundo ele, que afirma que é
importante ter artistas populares,
a campanha de Lula tinha de mudar, depois de perder três vezes.
"Comício só com discursos é
muito chato. Antes, havia alguns
artistas fracos, e o comício ficava
para baixo. E diziam que o PT
sempre tinha que ser pobrezinho,
amador", completa.
"É um negócio profissional, todos querem o dinheiro. Quem pagar mais, leva", resume Adilson
Laranjeiras, assessor de Paulo
Maluf, que, na última campanha,
para o governo de São Paulo, não
contratou artistas para comícios.
Capital Inicial, banda que foi
disputada pelos candidatos Ciro,
Serra e Lula, cobra aproximadamente R$ 100 mil por show. Ela
decidiu não participar da campanha, apesar de já ter animado gratuitamente um comício na campanha da prefeita Marta Suplicy.
O custo de seu show aproxima-se
de R$ 35 mil. "No caso do Ciro e
do PSDB, nos ofereceram bastante dinheiro. Às vezes, duas ou três
vezes mais do que o cachê normal. Mas a banda não quer misturar as coisas", diz Haroldo Tzirulnik, empresário do Capital.
Os comícios de Ciro Gomes foram animados pelo grupo de pagode Os Travessos. Garotinho fechou com bandas de estilo gospel.
Chitãozinho & Xororó, dupla
símbolo da era Collor, desta vez
tucanou. Outra atração musical
constante nos comícios de José
Serra e Geraldo Alckmin, além de
Leonardo, era a banda KLB, empresariada pelo pai dos meninos,
Francesco "Franco" Scornavacca.
Curiosamente, o mesmo Scornavacca empresaria a dupla Zezé
Di Camargo & Luciano, que animou os showmícios de Lula. Uma
neblina se forma em torno dos valores dessa militância. Scornavacca, procurado pela Folha, não retornou as ligações.
Rogério Schlegel, da campanha
de Serra, afirma que seus artistas
ganhavam cachês, mas que a
campanha está proibida por contrato de divulgar os valores.
"A turma do marketing que
pensa, faz contratos. Leonardo é
um bom exemplo desse profissionalismo na militância: uma música cantada por ele aparecia na
propaganda do Lula, mas ele fez
comícios do Serra", diz Schlegel.
"O Zezé não cobrava cachê, mas
tivemos que pagar para a turma
dele. Fizemos um pacote que cobria despesas de infra-estrutura.
Mas virou uma relação legal", diz
Delúbio Soares, que cuidou das finanças da campanha de Lula.
Paulo Viana, advogado da dupla Zezé Di Camargo & Luciano,
afirma que a relação com o PT começou quando ele ouviu a música
da dupla "Meu País" sendo gravada num estúdio, e há três anos fez
a aproximação com Lula.
"Percebi que a música tinha a
cara do Lula, insisti para ele escutar. Ele adorou. Em 2001, o Duda
Mendonça negociou a cessão dos
direitos da música, disse que ia
usá-la no horário político. Como
teve uma repercussão grande, o
Lula quis conhecer o Zezé e agradecer a cessão", diz Viana.
"Fizemos a coisa formalmente,
para não parecer interesse, e acabamos cedendo a música de graça. O Zezé ficou maravilhado com
o Lula, disse que ele estava preparado mesmo para governar."
Viana diz que os R$ 75 mil por
show, a metade do que a dupla cobra normalmente, era uma média
calculada entre showmícios fora
de São Paulo (R$ 100 mil) e perto
(R$ 50 mil), e que a maioria deles
era marcada nos dias em que a
dupla faz poucos shows [de segunda a quarta-feira". "Se o custo
fosse maior, ficávamos no prejuízo; se fosse menor, o lucro ficava
para nós. O Zezé achava que ia enganar o público se tocasse meia
dúzia de músicas no violão. O PT
pagou as despesas de produção de
um show completo. Mas os artistas não cobraram cachê."
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