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MÚSICA
Ex-líder d'O Rappa cria banda-coletivo Frente Urbana de Trabalhos Organizados e critica postura apolítica de sua classe
Marcelo Yuka (des)organiza o F.Ur.T.O.
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A Frente Urbana de Trabalhos
Organizados ainda está meio desorganizada, mas faltam apenas
oito dias para que seus estatutos
venham finalmente a público. É
que no próximo dia 5 o novo coletivo do compositor e baterista carioca Marcelo Yuka, 38, cuja sigla
dá F.Ur.T.O., faz em São Paulo o
show de estréia, no Tim Festival.
"É muito boa a possibilidade de
tudo dar errado na hora", Yuka
brinca com o grau de imprevisibilidade que cerca a história do
F.Ur.T.O. e a sua própria, marcada pelos tiros que, durante um assalto, colocaram-no numa cadeira de rodas, em 2000. "Até existe a
chance de dar tudo certo, mas é
remota", entra no espírito Maurício Pacheco, egresso de bandas
como Mulheres Q Dizem Sim e
Stereo Maracanã e hoje vocalista e
guitarrista do F.Ur.T.O.
O caráter de incerteza não é apenas retórico. Yuka vem dando duro na constituição de uma nova
banda desde sua saída do grupo O
Rappa, com o qual, a partir de
1994, deu novo status e consistência inédita ao pop brasileiro de
protesto e de indignação social.
Era para o disco de estréia já estar em mãos, mas diversos atrasos
culminam, agora, em atraso na
mixagem. A empresária Leninha
Brandão se alvoroça: o disco sai
em janeiro, pela Sony. "No primeiro contato com a Sony, fizemos o "antimarketing" completo.
Avisamos que o disco não venderá nada, que as músicas não tocarão no rádio, que nós não vamos
na TV. E os caras só falavam sim!
Não consigo entender, não", ri.
O que ele quer dizer é que não
há espaço na grande indústria fonográfica para trabalhos atuantes
como era o seu com o Rappa e como deve ser, promete, o do
F.Ur.T.O. Entre as músicas novas,
há tema para o MST, crítica aos
"falsos bolsões de segurança" da
"Ego City" e história de um primo
desaparecido de Yuka. Ele relata:
"Danilo saiu para trabalhar um
dia e nunca mais foi visto. Essa é
uma prática desde a ditadura, não
aparecendo o corpo o castigo se
estende à família do morto. O narcotráfico, quando castiga, quer
mostrar o castigo, mas o extermínio tem origem na ditadura".
Reflete sobre a questão racial.
"Neguinho que está descendo do
morro é carne de segunda, é IPTU
mais barato, gente que faz gato
para ter TV paga. Até o caixão é
mais barato", começa. "A polícia
foi criada no Brasil para caçar escravos, historicamente ela já tem
perfil racista", prossegue.
Enquanto faz música e reflete
sobre tais questões, Yuka lida
também com a elaboração de um
selo e da Anti-Combate FM, rádio
educativa para a qual recebeu
concessão do Ministério das Comunicações. "O rádio seria um
espaço para quebrar fronteiras
sociais na cidade, é preciso criar
espaços neutros de convivência
entre as classes", sonha.
Yuka reage à supremacia instalada na música brasileira, de que
militância política misturada com
arte resulta em chatice. "Ninguém
pergunta isso a um cineasta, se ele
faz um filme mais engajado, ou a
um escritor. A música se vulgarizou tanto que nem se pode mais
chamar de arte", critica.
Comenta sua apresentação no
VMB, da MTV, em que destoou
do clima de chiques & famosos
com um discurso político explícito (e algo confuso). "Vi ali vários
artistas visualmente indignados,
rock'n'roll, sei lá o quê. Mas Colin
Powell estava no Brasil naquele
dia e a grande nata da indústria
pop nacional nem se tocou? Não
quero ser o chato da festa, mas para mim é até divertido falar dessas
coisas. A pesquisa de células-tronco pode ser a nova penicilina,
não é importante só para quem
está aleijado."
Embora afirme não querer brigar em público com os ex-colegas
d'O Rappa, Yuka acaba por se referir afinal à separação, fazendo
alusão indireta ao namoro público do vocalista Marcelo Falcão.
"Existe uma coisa muito maldita: eu fui tirado da banda, não saí.
Hoje vejo casamento na "Caras",
quem terminou com quem na
"Caras", jamais me divulgaria assim. Mas isso não compromete a
qualidade deles, estão indo bem,
tendo muito sucesso. Prefiro ficar
calado", diz, sem ficar.
Ainda que brinque o tempo todo com seu próprio "não-sucesso", é hora de Yuka resgatar a trajetória de músico e líder indignado. A nova história começa no dia
5, para a platéia pretensamente
puro-sangue do Jockey Club.
O jornalista Pedro Alexandre Sanches
viajou a convite do Tim Festival
F.UR.T.O. Show. Onde: Jockey Club (av.
Lineu de Paula Machado, 1.263, SP)
Quando: 5/11, às 23h. Quanto: R$ 60
(www.timfestival.com.br).
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