São Paulo, quinta-feira, 28 de outubro de 2004

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MÚSICA

Ex-líder d'O Rappa cria banda-coletivo Frente Urbana de Trabalhos Organizados e critica postura apolítica de sua classe

Marcelo Yuka (des)organiza o F.Ur.T.O.

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A Frente Urbana de Trabalhos Organizados ainda está meio desorganizada, mas faltam apenas oito dias para que seus estatutos venham finalmente a público. É que no próximo dia 5 o novo coletivo do compositor e baterista carioca Marcelo Yuka, 38, cuja sigla dá F.Ur.T.O., faz em São Paulo o show de estréia, no Tim Festival.
"É muito boa a possibilidade de tudo dar errado na hora", Yuka brinca com o grau de imprevisibilidade que cerca a história do F.Ur.T.O. e a sua própria, marcada pelos tiros que, durante um assalto, colocaram-no numa cadeira de rodas, em 2000. "Até existe a chance de dar tudo certo, mas é remota", entra no espírito Maurício Pacheco, egresso de bandas como Mulheres Q Dizem Sim e Stereo Maracanã e hoje vocalista e guitarrista do F.Ur.T.O.
O caráter de incerteza não é apenas retórico. Yuka vem dando duro na constituição de uma nova banda desde sua saída do grupo O Rappa, com o qual, a partir de 1994, deu novo status e consistência inédita ao pop brasileiro de protesto e de indignação social.
Era para o disco de estréia já estar em mãos, mas diversos atrasos culminam, agora, em atraso na mixagem. A empresária Leninha Brandão se alvoroça: o disco sai em janeiro, pela Sony. "No primeiro contato com a Sony, fizemos o "antimarketing" completo. Avisamos que o disco não venderá nada, que as músicas não tocarão no rádio, que nós não vamos na TV. E os caras só falavam sim! Não consigo entender, não", ri.
O que ele quer dizer é que não há espaço na grande indústria fonográfica para trabalhos atuantes como era o seu com o Rappa e como deve ser, promete, o do F.Ur.T.O. Entre as músicas novas, há tema para o MST, crítica aos "falsos bolsões de segurança" da "Ego City" e história de um primo desaparecido de Yuka. Ele relata: "Danilo saiu para trabalhar um dia e nunca mais foi visto. Essa é uma prática desde a ditadura, não aparecendo o corpo o castigo se estende à família do morto. O narcotráfico, quando castiga, quer mostrar o castigo, mas o extermínio tem origem na ditadura".
Reflete sobre a questão racial. "Neguinho que está descendo do morro é carne de segunda, é IPTU mais barato, gente que faz gato para ter TV paga. Até o caixão é mais barato", começa. "A polícia foi criada no Brasil para caçar escravos, historicamente ela já tem perfil racista", prossegue.
Enquanto faz música e reflete sobre tais questões, Yuka lida também com a elaboração de um selo e da Anti-Combate FM, rádio educativa para a qual recebeu concessão do Ministério das Comunicações. "O rádio seria um espaço para quebrar fronteiras sociais na cidade, é preciso criar espaços neutros de convivência entre as classes", sonha.
Yuka reage à supremacia instalada na música brasileira, de que militância política misturada com arte resulta em chatice. "Ninguém pergunta isso a um cineasta, se ele faz um filme mais engajado, ou a um escritor. A música se vulgarizou tanto que nem se pode mais chamar de arte", critica.
Comenta sua apresentação no VMB, da MTV, em que destoou do clima de chiques & famosos com um discurso político explícito (e algo confuso). "Vi ali vários artistas visualmente indignados, rock'n'roll, sei lá o quê. Mas Colin Powell estava no Brasil naquele dia e a grande nata da indústria pop nacional nem se tocou? Não quero ser o chato da festa, mas para mim é até divertido falar dessas coisas. A pesquisa de células-tronco pode ser a nova penicilina, não é importante só para quem está aleijado."
Embora afirme não querer brigar em público com os ex-colegas d'O Rappa, Yuka acaba por se referir afinal à separação, fazendo alusão indireta ao namoro público do vocalista Marcelo Falcão.
"Existe uma coisa muito maldita: eu fui tirado da banda, não saí. Hoje vejo casamento na "Caras", quem terminou com quem na "Caras", jamais me divulgaria assim. Mas isso não compromete a qualidade deles, estão indo bem, tendo muito sucesso. Prefiro ficar calado", diz, sem ficar.
Ainda que brinque o tempo todo com seu próprio "não-sucesso", é hora de Yuka resgatar a trajetória de músico e líder indignado. A nova história começa no dia 5, para a platéia pretensamente puro-sangue do Jockey Club.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite do Tim Festival

F.UR.T.O. Show. Onde: Jockey Club (av. Lineu de Paula Machado, 1.263, SP) Quando: 5/11, às 23h. Quanto: R$ 60 (www.timfestival.com.br).


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