São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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O rascunho de uma nação

Livro de Eduardo Bueno narra o colapso das capitanias e a implantação do Governo Geral, no século 16, quando se esboça a formação de um Estado no país; autor associa corrupção ao modo como aportou aqui a burocracia portuguesa

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois que o historiador mais famoso do mundo, o inglês Eric Hobsbawm, o chamou de "colega", Eduardo Bueno (conhecido também como Peninha) ficou todo prosa (digo, só um pouco mais prosa), e deixou de dar bola às críticas que se fazem a seu trabalho.
Autor de pelo menos quatro best-sellers sobre a história do Brasil (só a coleção "Terra Brasilis" já vendeu meio milhão de cópias), o jornalista e escritor enfrentou narizes torcidos de acadêmicos, que o viam como um simplificador da história, autor de textos rasos e sem embasamento teórico. Mas o fato é que Bueno, 48, é um sujeito aplicado, basta ver a quantidade de detalhes com que reconstitui passagens e a variedade da bibliografia que consulta.
Agora, com "A Coroa, a Cruz e a Espada", ele dá definitivamente o troco aos críticos. "É verdade que os primeiros livros eram mais light e apresentavam a história do Brasil em traços breves e coloridos, com aventura e ação. Mas neste livro eu dei um passo no sentido de tentar atrair as pessoas não só pelo lado lúdico, mas oferecendo um grau de reflexão", disse Bueno à Folha, em entrevista realizada na última quarta-feira, em São Paulo.
Pois bem, a "ação" (sim, porque o suspense de seu modo de narrar permanece) começa no primeiro século da colonização do Brasil, mais especificamente no ano de 1546. O projeto da coroa portuguesa de controlar suas posses na América através das chamadas capitanias hereditárias (implantadas em 1534) está entrando em colapso. Depois da morte trágica do donatário da Bahia, Francisco Pereira Coutinho, supostamente pelos índios Tupinambá, o rei d. João 3º [da dinastia de Avis, sem ligação com d. João 6º, que viria depois e era da dinastia de Bragança] resolve reocupar a região. Assim fracassava o projeto de "privatizar" a colonização, e Portugal voltava a chamar para si a tarefa de fazer do que viria a ser o Brasil um negócio rentável, com a criação de um Governo Geral, sediado na Bahia.
Na leitura de Bueno, essa vinda do Estado português teria trazido aparelhos algo modernos de administração, como um sistema Judiciário, porém operados por pessoas lenientes, lentas, burocratas e, vejam só, corruptas.
"O legado acabou sendo catastrófico, basta ver o que é a corrupção no Brasil hoje", diz. Mas, espere aí, não seria um pouco demais fazer essa ligação direta e jogar a culpa do que acontece aqui, no século 21, nos portugueses de 500 anos atrás? "Concordo, acho que, de 1822 em diante, não há desculpa, tínhamos que ter aprendido. Mas o legado do período de que trato no livro foi, sim, retrógrado, porque, além da criar um sistema corrupto, Portugal veio ainda com o peso da virada conservadora que se operava na Europa por causa da Contra Reforma", afirma.

Sátira e violência
A verdade é que personagens e episódios espetaculares daquela época ganham vida no texto de Bueno. Da sangrenta Guerra de Itapuã, em 1555, quando Salvador foi atacada por índios, à deglutição do mítico bispo Sardinha, no ano seguinte, passando pelo relato de como os degredados portugueses viajavam ao Brasil (como os negros africanos, acorrentados no porão das naus), tudo é construído com rigor obsessivo ao mesmo tempo que de forma mordaz e satírica. "A razão pela qual tenho essa imensa curiosidade é que eu tenho vergonha, vergonha de perceber que nós sabemos tão pouco sobre a nossa história", conta.
A bibliografia consultada contrapõe clássicos como Sérgio Buarque de Holanda e Francisco Adolfo de Varnhagen a cartas de jesuítas, colonos, religiosos e autoridades. Como se não bastasse, Bueno também caminhou e navegou por parte da costa brasileira onde "se passa" sua aventura. "Está tudo lá, é incrível. E ao mesmo tempo a gente vê aquela confusão de balneário e as pessoas se divertindo ali sem saber de nada do que aconteceu naquele mesmo lugar", diz, inconformado.
Se só servirem para democratizar informações sobre o passado do Brasil, os livros de Bueno já terão sido uma grande contribuição à nossa historiografia. "E não precisam mais me chamar de Paulo Coelho dos 500 anos, não, podem dizer que sou a Bruna Surfistinha da história pátria", diverte-se.


A COROA, A CRUZ E A ESPADA
Autor:
Eduardo Bueno
Lançamento: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (260 págs.)


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