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O rascunho de uma nação
Livro de Eduardo Bueno narra o colapso das capitanias e a implantação do Governo Geral, no século 16, quando se esboça a formação de um Estado no país; autor associa corrupção ao modo como aportou aqui a burocracia portuguesa
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois que o historiador
mais famoso do mundo, o inglês Eric Hobsbawm, o chamou
de "colega", Eduardo Bueno
(conhecido também como Peninha) ficou todo prosa (digo,
só um pouco mais prosa), e deixou de dar bola às críticas que
se fazem a seu trabalho.
Autor de pelo menos quatro
best-sellers sobre a história do
Brasil (só a coleção "Terra Brasilis" já vendeu meio milhão de
cópias), o jornalista e escritor
enfrentou narizes torcidos de
acadêmicos, que o viam como
um simplificador da história,
autor de textos rasos e sem embasamento teórico. Mas o fato é
que Bueno, 48, é um sujeito
aplicado, basta ver a quantidade de detalhes com que reconstitui passagens e a variedade da
bibliografia que consulta.
Agora, com "A Coroa, a Cruz
e a Espada", ele dá definitivamente o troco aos críticos. "É
verdade que os primeiros livros
eram mais light e apresentavam a história do Brasil em traços breves e coloridos, com
aventura e ação. Mas neste livro eu dei um passo no sentido
de tentar atrair as pessoas não
só pelo lado lúdico, mas oferecendo um grau de reflexão",
disse Bueno à Folha, em entrevista realizada na última quarta-feira, em São Paulo.
Pois bem, a "ação" (sim, porque o suspense de seu modo de
narrar permanece) começa no
primeiro século da colonização
do Brasil, mais especificamente no ano de 1546.
O projeto da coroa portuguesa de controlar suas posses na
América através das chamadas
capitanias hereditárias (implantadas em 1534) está entrando em colapso.
Depois da morte trágica do
donatário da Bahia, Francisco
Pereira Coutinho, supostamente pelos índios Tupinambá, o rei d. João 3º [da dinastia
de Avis, sem ligação com d.
João 6º, que viria depois e era
da dinastia de Bragança] resolve reocupar a região. Assim fracassava o projeto de "privatizar" a colonização, e Portugal
voltava a chamar para si a tarefa de fazer do que viria a ser o
Brasil um negócio rentável,
com a criação de um Governo
Geral, sediado na Bahia.
Na leitura de Bueno, essa
vinda do Estado português teria trazido aparelhos algo modernos de administração, como
um sistema Judiciário, porém
operados por pessoas lenientes, lentas, burocratas e, vejam
só, corruptas.
"O legado acabou sendo catastrófico, basta ver o que é a
corrupção no Brasil hoje", diz.
Mas, espere aí, não seria um
pouco demais fazer essa ligação direta e jogar a culpa do
que acontece aqui, no século
21, nos portugueses de 500
anos atrás? "Concordo, acho
que, de 1822 em diante, não há
desculpa, tínhamos que ter
aprendido. Mas o legado do período de que trato no livro foi,
sim, retrógrado, porque, além
da criar um sistema corrupto,
Portugal veio ainda com o peso
da virada conservadora que se
operava na Europa por causa
da Contra Reforma", afirma.
Sátira e violência
A verdade é que personagens
e episódios espetaculares daquela época ganham vida no
texto de Bueno. Da sangrenta
Guerra de Itapuã, em 1555,
quando Salvador foi atacada
por índios, à deglutição do mítico bispo Sardinha, no ano seguinte, passando pelo relato de
como os degredados portugueses viajavam ao Brasil (como os
negros africanos, acorrentados
no porão das naus), tudo é
construído com rigor obsessivo
ao mesmo tempo que de forma
mordaz e satírica. "A razão pela
qual tenho essa imensa curiosidade é que eu tenho vergonha,
vergonha de perceber que nós
sabemos tão pouco sobre a nossa história", conta.
A bibliografia consultada
contrapõe clássicos como Sérgio Buarque de Holanda e
Francisco Adolfo de Varnhagen
a cartas de jesuítas, colonos, religiosos e autoridades. Como se
não bastasse, Bueno também
caminhou e navegou por parte
da costa brasileira onde "se
passa" sua aventura. "Está tudo
lá, é incrível. E ao mesmo tempo a gente vê aquela confusão
de balneário e as pessoas se divertindo ali sem saber de nada
do que aconteceu naquele mesmo lugar", diz, inconformado.
Se só servirem para democratizar informações sobre o
passado do Brasil, os livros de
Bueno já terão sido uma grande
contribuição à nossa historiografia. "E não precisam mais
me chamar de Paulo Coelho
dos 500 anos, não, podem dizer
que sou a Bruna Surfistinha da
história pátria", diverte-se.
A COROA, A CRUZ E A ESPADA
Autor: Eduardo Bueno
Lançamento: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (260 págs.)
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