São Paulo, sábado, 28 de outubro de 2006

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Bandeira brasileira

A força da poesia de Manuel Bandeira está no resgate de uma matéria aparentemente trivial, moderna e brasileira

NA PAISAGEM contemporânea, engolidora prodigiosa de debates estéticos e ideológicos, os anos de 1930 no Brasil fazem saudade: tempos bicudos, sitiados por impasses políticos, mas coalhados de promessas -se murcharam, a conversa é outra- e descobertas.
Pois é justamente neles que as "Crônicas da Província do Brasil" (1937), de Manuel Bandeira, em reedição anotada e posfaciada por Júlio Castañon Guimarães, voltam a nos instalar. Com a naturalidade de quem tira poesia não de pedras, mas da simplicidade cotidiana, a prosa limpa e afetiva do pernambucano abre janelas, puxa cadeiras e pronto: lá estamos, à vontade, em meio ao festivo velório do sambista Sinhô, à reinvenção modernista do passado colonial, às traquinagens dos meninos pelas ruas do Curvelo.
A força da poesia de Bandeira está no resgate de uma matéria aparentemente trivial, moderna e brasileira, vazada numa forma própria, impura e mesclada, em que o sublime caminha de mãos dadas com o prosaico, a ironia com a comoção. O autor de "Poema Tirado de uma Notícia de Jornal" não poderia deixar de ter grande afinidade com a crônica.
De resto, Bandeira potencializa a vocação natural do gênero. Publicações ocasionais nos veículos mais diversos, esses textos comportavam também o crítico de cultura, para quem literatura, artes plásticas e música não eram assuntos dissociáveis, mas avesso ao peso do tratado.
Bastidores e fontes da poesia aparecem flagrados ainda a um passo do poema, caso da paisagem carioca de Santa Tereza, com a qual o poeta longamente conviveu, ou os cenários boêmios da Lapa, pontes entre o erudito e o popular ("Trinca do Curvelo", "Candomblé"). O mesmo vale para os personagens emblemáticos, como os amigos José do Patrocínio Filho, o músico Jaime Ovalle ("O Místico"), ou os "Reis Vagabundos".
As questões estéticas na ordem do dia sob a ótica de um projeto de discussão crítica da idéia da nacionalidade ganham espaço, sob o ponto de vista de um dublê de turista ocasional (Bandeira abismado com o rolo compressor que passa sobre o patrimônio histórico e atento aos sinais ambíguos da modernização ao visitar Recife ou Salvador; Bandeira que visita Ouro Preto na esteira da missão modernista paulista da década de 1920) e do crítico e historiador literário, que faz dos perfis ocasionais (Drummond, Mário de Andrade, Augusto F. Schmidt, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Raul de Leoni) ocasião para compreender, ensinando, os processos da poesia por dentro.
Entretecendo biografia e experiência, mais do que mero apêndice curioso, a obra do Bandeira cronista prosseguiu, recolhida em duas outras coletâneas, "Flauta de Papel" (1957) e "Andorinha, Andorinha" (1957). As duas têm republicação anunciada pela Cosac, além de um novo volume em preparo, organizado por Castañon, com um conjunto de textos ainda inéditos em livro.


CRÔNICAS DA PROVÍNCIA DO BRASIL     
Autor: Manuel Bandeira Organização, posfácio e notas: Júlio Castañon Guimarães
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 48 (320 págs.)


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