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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Bandeira brasileira
A força da poesia de Manuel Bandeira está no resgate de uma matéria aparentemente trivial, moderna e brasileira
NA PAISAGEM contemporânea,
engolidora prodigiosa de debates estéticos e ideológicos,
os anos de 1930 no Brasil fazem saudade: tempos bicudos, sitiados por
impasses políticos, mas coalhados
de promessas -se murcharam, a
conversa é outra- e descobertas.
Pois é justamente neles que as "Crônicas da Província do Brasil" (1937),
de Manuel Bandeira, em reedição
anotada e posfaciada por Júlio Castañon Guimarães, voltam a nos instalar. Com a naturalidade de quem
tira poesia não de pedras, mas da
simplicidade cotidiana, a prosa limpa e afetiva do pernambucano abre
janelas, puxa cadeiras e pronto: lá
estamos, à vontade, em meio ao festivo velório do sambista Sinhô, à
reinvenção modernista do passado
colonial, às traquinagens dos meninos pelas ruas do Curvelo.
A força da poesia de Bandeira está
no resgate de uma matéria aparentemente trivial, moderna e brasileira, vazada numa forma própria, impura e mesclada, em que o sublime
caminha de mãos dadas com o prosaico, a ironia com a comoção. O autor de "Poema Tirado de uma Notícia de Jornal" não poderia deixar de
ter grande afinidade com a crônica.
De resto, Bandeira potencializa a vocação natural do gênero. Publicações ocasionais nos veículos mais diversos, esses textos comportavam
também o crítico de cultura, para
quem literatura, artes plásticas e
música não eram assuntos dissociáveis, mas avesso ao peso do tratado.
Bastidores e fontes da poesia aparecem flagrados ainda a um passo do
poema, caso da paisagem carioca de
Santa Tereza, com a qual o poeta
longamente conviveu, ou os cenários boêmios da Lapa, pontes entre o
erudito e o popular ("Trinca do Curvelo", "Candomblé"). O mesmo vale
para os personagens emblemáticos,
como os amigos José do Patrocínio
Filho, o músico Jaime Ovalle ("O
Místico"), ou os "Reis Vagabundos".
As questões estéticas na ordem do
dia sob a ótica de um projeto de discussão crítica da idéia da nacionalidade ganham espaço, sob o ponto de
vista de um dublê de turista ocasional (Bandeira abismado com o rolo
compressor que passa sobre o patrimônio histórico e atento aos sinais
ambíguos da modernização ao visitar Recife ou Salvador; Bandeira que
visita Ouro Preto na esteira da missão modernista paulista da década
de 1920) e do crítico e historiador literário, que faz dos perfis ocasionais
(Drummond, Mário de Andrade,
Augusto F. Schmidt, Graça Aranha,
Guilherme de Almeida, Raul de Leoni) ocasião para compreender, ensinando, os processos da poesia por
dentro.
Entretecendo biografia e experiência, mais do que mero apêndice
curioso, a obra do Bandeira cronista
prosseguiu, recolhida em duas outras coletâneas, "Flauta de Papel"
(1957) e "Andorinha, Andorinha"
(1957). As duas têm republicação
anunciada pela Cosac, além de um
novo volume em preparo, organizado por Castañon, com um conjunto
de textos ainda inéditos em livro.
CRÔNICAS DA PROVÍNCIA DO BRASIL
Autor: Manuel Bandeira
Organização, posfácio e notas: Júlio Castañon Guimarães
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 48 (320 págs.)
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