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Nuno Ramos leva teatro à galeria
Artista exibe instalação "Ai de Mim!" na galeria Fortes Vilaça, que pede o deslocamento do espectador para ser vista
Objeto tem lado teatral, com vozes dos atores Luis Melo e Helena Ignez, mas precisa de mais silêncio para ser observada com cuidado
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Na "Análise dos Espetáculos", Patrice Pavis
fala da importância
para o crítico não considerar o
texto, lido previamente em casa, como o essencial do espetáculo teatral.
Palavras impressas
e as proferidas por atores em
público não são o mesmo objeto estético: o volume dos corpos, o lugar que eles ocupam no
espaço, as suas formas cambientes que interagem interferem substancialmente no sentido do que é dito, muito além
da interpretação psicológica
dos atores e diretor.
Por isso, a instalação "Ai de
Mim!", de Nuno Ramos, na galeria Fortes Vilaça, vista pelos
olhos de um crítico teatral,
equivale a um tratado estético
sobre as condições materiais da
representação. Está na mesma
alta esfera dos tratados de Gertrude Stein, que aprofundam os
sentidos que a apresentação
pública pode ter por si só, independentemente de seu conteúdo, como se atores fossem móbiles sonoros -e não é por acaso que a brilhante encenação de
Márcio Aurélio para esses textos se chamou "Peças".
A ambigüidade do termo é
perfeita para a busca de Nuno
Ramos. Apresenta aqui duas
peças monumentais, uma de
ferro que ocupa dois níveis da
pequena galeria; outra de vidro
no segundo andar, que a espelha em suas retas e curvas. A relação com o público é prevista
teatralmente: embora as peças
não se desloquem, é o deslocamento do observador que
acrescenta sentidos. Para se ver
o ferro, é necessário subir uma
escada, contornando sua presença imponente, e só então é
que se descobre a outra, acuada
em um canto, fragilizada pela
localização, matéria e redução
em escala.
Teatro
Então irrompe o teatro: as
peças falam, pela voz de Helena
Ignez e Luis Melo, ouvidas em
gravação que sai pelo longo cano-tromba de cada estrutura.
"Ai de Mim!", clamam as esculturas, chamando atenção para
si mesmas como um enigma
concretizado em objeto.
No entanto, o artista segue
na pesquisa de intercâmbio entre as formas: as peças dialogam, trocam farpas e insultos.
Um homem, uma mulher: conflito ancestral que o texto de
Nuno Ramos, feito em parte
por citações que um folheto
distribuido na entrada aponta,
exacerba do mais erudito ao
mais vulgar.
Ésquilo, Tchekov, Ibsen, Nelson Rodrigues e Lupicínio Rodrigues, Brecht e Beckett, entre
outros, retrucam deixas sofridas, impregnando as formas de
sentido. E quando o observador
atento já começa a atribuir sentimentos para cada matéria -o
ferro, masculino e despótico, é
valentemente desautorizado
pela ternura do vidro-, o texto
se encerra e as vozes invertem
suas "bocas", recomeçando outra rodada de negociações.
Uma brilhante instalação
que mereceria um cuidado especial: espaço mais amplo, isolamento acústico e solicitação
para desligamento dos celulares, compartilhando assim a luta do teatro pela educação contemplativa do prezado público.
Infelizmente, as galerias,
mesmo as mais badaladas, ainda estão pouco sintonizadas
com essa missão. As portas permanecem abertas na galeria
Fortes Vilaça para o ruidoso
trânsito da Fradique Coutinho;
e os funcionários, em estresse
de vendedores de televisão, se
mantém falando em voz alta.
O teatro precisa abrigar a
busca de Nuno Ramos: podemos ter aqui mais um caso de
artista plástico em vias de subir
ao palco, para contribuir com
seu lado mais conceitual, como
fizeram Tadeusz Kantor e Gerald Thomas. Enquanto isso,
quase menosprezado em um
espaço indevido, sua obra fica à
espera de uma escuta que multiplique seus sentidos. Vá checar em um sábado: talvez haja
mais silêncio.
AI DE MIM! - NUNO RAMOS
Quando: ter. a sex., das 10h às 19h;
sáb., das 10h às 17h; até 3/11
Onde: galeria Fortes Vilaça (r. Fradique
Coutinho, 1.500, SP, tel. 0/xx/11/
3032-7066)
Quanto: entrada franca
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