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Crítica/"Go Go Tales"
Abel Ferrara funde humor e tensão em obra de resistência
Novo filme do diretor de "Maria" apresenta o universo delirante de um dono de uma boate de striptease em crise
PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
"Go Go Tales" é um
filme de trincheira.
Uma obra de resistência e explosão que confina,
num espaço e tempo limitados,
toda uma experiência que o
mestre italiano Abel Ferrara
desenvolve há décadas: uma
criação tão direta e cética (vide
"Blackout" e "Maria", lançados
em DVD) que causa grandes
transtornos às duas pontas do
sistema de produção cinematográfico (a dos que financiam os
filmes e a dos que os vêem).
Ferrara adota aqui, quase
inusitadamente, um viés essencialmente cômico, mas não menos tenso, com inúmeras
"gags" improvisadas por um time fenomenal de atores para
mostrar um dia na vida de Ray
Ruby (Willem Dafoe) em sua
boate de striptease, o Ruby's
Paradise. Um dia de cão, pois as
dançarinas ameaçam uma paralisação pelo salário atrasado,
a proprietária quer o imóvel de
volta, o irmão mecenas anuncia
o fim do subsídio e um bilhete
da loteria que tiraria a casa do
vermelho simplesmente desaparece. Tudo ao mesmo tempo.
A ameaça de morte do Ruby's
Paradise é o fim de um paraíso,
pois ali é, sobretudo, o espaço
supremo das artes, onde os
shows de corpos femininos no
palco abrem caminho para as
garotas desenvolverem seus
mais nobres talentos, ou onde é
permitido que um segurança
exercite-se na cozinha ou um
gângster encene Shakespeare.
Seria uma tragédia esse nightclub cerrar suas portas, e daí
Ray fica cindido entre uma tensão fúnebre e uma alegria arco-íris para prolongar a vida de seu
paraíso (quase) perdido.
Se está claro, aqui, que Ray
Ruby e seu clube são Ferrara e
seu cinema, as imagens são
construídas ao estilo do diretor.
Em clima tenso e meio anestesiado (ou cheirado e bêbado, ou
em transe), temos uma câmera
que passeia, olhando dos belos
traseiros das moças aos espaços quase abstratos da casa, em
travellings que flanam de lado a
outro, por vezes mostrando
uma coisa enquanto se ouve
um diálogo de alguém ali do lado, fora do enquadramento.
Cinema de ponta
Essa liberdade tem motivo.
Homem inclinado ao álcool,
mulheres e outras bagunças,
tudo isso levado aos seus filmes, Ferrara, nesses anos, fez o
que bem quis e pagou um preço: sua arte é viabilizada graças
aos bons olhos das produtoras
européias e desagrada à beça os
produtores americanos. Assim,
o jeito é se aquartelar numa
boate e cometer todas as liberdades possíveis, o que, na prática, é fazer um cinema de ponta
-digno dos maiores cineastas,
é bom lembrar.
A primeira tomada de "Go
Go Tales" é a imagem-síntese
que só um grande mestre seria capaz de levar à tela: Willem Dafoe/Ray Ruby tombado no sofá, exausto, semblante atacado pelo peso do mundo. Uma agonia que o filme
confirmará ser breve, pois
minutos depois Ray subirá ao
palco para apresentar sua arte. Como Ferrara, que ensaia
um novo filme de gângster e
altas violências para 2008.
GO GO TALES
Produção: Itália/EUA
Direção: Abel Ferrara
Com: Willem Dafoe, Bob Hoskins,
Matthew Modine
Onde: hoje, às 20h50, no Cine TAM;
amanhã, às 21h20, IG Cine
Avaliação: ótimo
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