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Portunhol questiona estereótipos
Para especialistas, invenção não tem fôlego para virar idioma, mas dá dinâmica ao português e reflete sobre tradições
Moacyr Scliar, membro da ABL, valoriza conotação emocional dessa variação, por tratar-se de uma aproximação entre povos
DA REPORTAGEM LOCAL
Ainda é muito cedo para considerar o portunhol uma língua
à parte, um novo idioma ou sequer um dialeto. Essa é a avaliação de escritores e críticos literários ouvidos pela Folha.
A maioria concorda, porém,
que a brincadeira é válida, pois
mostra certo dinamismo da
língua portuguesa e questiona
alguns estereótipos.
Nas palavras de Cristóvão
Tezza, trata-se de "um modismo inconsistente". O escritor
catarinense considera que o
portunhol não vai se impor como idioma por razões políticas.
"Imaginar que alguma região
de fronteira do Brasil comece a
defender de fato uma língua
nova é algo delirante."
Porém, Tezza considera a defesa dessa variedade uma novidade curiosa. "O Brasil não costuma ter movimentos de autonomia lingüística. Não há uma
defesa do dialeto caipira ou do
gauchês, ou a exigência de jornais e rádios nessas variedades,
como acontece na Europa."
O gaúcho Moacyr Scliar, colunista da Folha e membro da
Academia Brasileira de Letras,
acredita que ainda não dá para
elevar o portunhol a língua ou
dialeto. "Para isto seria preciso
seu uso de forma consistente e
continuada por um grupo humano durante um tempo razoavelmente longo". Do modo
como é hoje, diz, corresponde
mais a uma necessidade prática
de comunicação. "Mas isso não
impede seu uso literário, uma
vez que, sendo resultado da
aproximação entre povos, tem
uma conotação emocional e estética que não é pequena."
Já o lingüista Carlos Alberto
Faraco, da Universidade Federal do Paraná, acha que é preciso distinguir situações. Para
ele, o portunhol do brasileiro
que acha que fala espanhol só
por mudar algumas palavras ou
sua entonação não tem representação cultural significativa.
Faraco menciona um exemplo que considera mais relevante. No norte do Uruguai,
numa região que era no passado parte do Brasil, fala-se algo
que se chama de "interlíngua".
"Lá o português era a língua
original, e o espanhol veio depois. Hoje, está bem descrito e
fixado gramaticalmente. É diferente dos contatos de fronteira, que se baseiam na experiência cotidiana".
Mas Faraco acha interessante que o portunhol se preste a
um exercício literário que mimetize a realidade. "Somos um
país que não gosta de aceitar
sua variedade lingüística,
quando isso acontece, é por
meio do estereótipo e, às vezes,
do preconceito", diz.
O lingüista acha que o portunhol pode questionar certa tradição de engessamento do nosso português. "Somos herdeiros de dois desejos. O primeiro
vem do século 19 e expressa a
vontade daquela sociedade de
ser reconhecida como branca e
européia. O outro vem do Estado Novo, que buscou homogeneizar diferenças. Os meios de
comunicação, hoje, refletem as
conseqüências desses desejos."
A artista plástica argentina
Ivana Villoro, que estuda o portunhol desde 2004 e finaliza o
documentário "Portuñol/Portunhol", diz que os argentinos
não entendem quando os brasileiros tiram uma onda com o
espanhol. "Não compreendemos por que vocês acham tão
engraçado dizer palavras erradas com "ue", como "pueco" ou
"socuerro", ou com "on", como
"bandidón" etc."
Será que o portunhol selvagem ajuda a explicar?
(SYLVIA COLOMBO)
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