São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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Portunhol questiona estereótipos

Para especialistas, invenção não tem fôlego para virar idioma, mas dá dinâmica ao português e reflete sobre tradições

Moacyr Scliar, membro da ABL, valoriza conotação emocional dessa variação, por tratar-se de uma aproximação entre povos

DA REPORTAGEM LOCAL

Ainda é muito cedo para considerar o portunhol uma língua à parte, um novo idioma ou sequer um dialeto. Essa é a avaliação de escritores e críticos literários ouvidos pela Folha.
A maioria concorda, porém, que a brincadeira é válida, pois mostra certo dinamismo da língua portuguesa e questiona alguns estereótipos.
Nas palavras de Cristóvão Tezza, trata-se de "um modismo inconsistente". O escritor catarinense considera que o portunhol não vai se impor como idioma por razões políticas. "Imaginar que alguma região de fronteira do Brasil comece a defender de fato uma língua nova é algo delirante."
Porém, Tezza considera a defesa dessa variedade uma novidade curiosa. "O Brasil não costuma ter movimentos de autonomia lingüística. Não há uma defesa do dialeto caipira ou do gauchês, ou a exigência de jornais e rádios nessas variedades, como acontece na Europa."
O gaúcho Moacyr Scliar, colunista da Folha e membro da Academia Brasileira de Letras, acredita que ainda não dá para elevar o portunhol a língua ou dialeto. "Para isto seria preciso seu uso de forma consistente e continuada por um grupo humano durante um tempo razoavelmente longo". Do modo como é hoje, diz, corresponde mais a uma necessidade prática de comunicação. "Mas isso não impede seu uso literário, uma vez que, sendo resultado da aproximação entre povos, tem uma conotação emocional e estética que não é pequena."
Já o lingüista Carlos Alberto Faraco, da Universidade Federal do Paraná, acha que é preciso distinguir situações. Para ele, o portunhol do brasileiro que acha que fala espanhol só por mudar algumas palavras ou sua entonação não tem representação cultural significativa.
Faraco menciona um exemplo que considera mais relevante. No norte do Uruguai, numa região que era no passado parte do Brasil, fala-se algo que se chama de "interlíngua".
"Lá o português era a língua original, e o espanhol veio depois. Hoje, está bem descrito e fixado gramaticalmente. É diferente dos contatos de fronteira, que se baseiam na experiência cotidiana".
Mas Faraco acha interessante que o portunhol se preste a um exercício literário que mimetize a realidade. "Somos um país que não gosta de aceitar sua variedade lingüística, quando isso acontece, é por meio do estereótipo e, às vezes, do preconceito", diz.
O lingüista acha que o portunhol pode questionar certa tradição de engessamento do nosso português. "Somos herdeiros de dois desejos. O primeiro vem do século 19 e expressa a vontade daquela sociedade de ser reconhecida como branca e européia. O outro vem do Estado Novo, que buscou homogeneizar diferenças. Os meios de comunicação, hoje, refletem as conseqüências desses desejos."
A artista plástica argentina Ivana Villoro, que estuda o portunhol desde 2004 e finaliza o documentário "Portuñol/Portunhol", diz que os argentinos não entendem quando os brasileiros tiram uma onda com o espanhol. "Não compreendemos por que vocês acham tão engraçado dizer palavras erradas com "ue", como "pueco" ou "socuerro", ou com "on", como "bandidón" etc."
Será que o portunhol selvagem ajuda a explicar?
(SYLVIA COLOMBO)


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