São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

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Rappers renovam o "spoken word"

MCs levam suas rimas para os saraus; movimento ganha adeptos na Europa

Principal nome da nova cena de poesia falada nos EUA, Saul Williams prefere encontros de literatura às batalhas de MCs

ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Sempre pronto a experimentar, o hip hop agora flerta com o "spoken word" e revitaliza um cenário que, como o rap, tem o cerne na poesia. O "spoken word", literalmente, palavra falada, ou declamada, pode ser comparado ao que, no Brasil, ocorre nos saraus -reuniões que atraem músicos, escritores, poetas, atores ou apenas interessados em recitar textos.
Os escritores beatniks Allen Ginsberg e Jack Kerouac, por exemplo, tinham o hábito de participar desse tipo de encontro. Também artistas como Laurie Anderson, Jim Morrison, Patti Smith e Tom Waits são famosos por proclamar textos, tanto em shows quanto entremeados com músicas.
A novidade nessa antiguíssima expressão artística é a participação de rappers, como Mos Def e Talib Kweli, em eventos de "slam poetry", um tipo de sarau norte-americano, no qual o público escolhe o melhor poeta. O encontro do hip hop com o "spoken word" estourou nos anos 90, nos EUA, e hoje já é tema de uma competição nacional (leia sobre as origens no quadro à esquerda).
A França, segunda maior produtora de rap do mundo, tem uma expressiva cena "slam", com artistas lotando salas de concerto (veja texto nesta página). Também há registros de "slam" na Alemanha, Reino Unido e Holanda, entre outros.
No Brasil, o "slam" ainda é desconhecido, mas os saraus promovidos pela Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) já são freqüentados por alguns rappers. Além disso, alguns MCs, como o paulistano Akin, experimentam recitar suas rimas ao vivo.

Saul Williams
Se o "slam poetry" se espalhou pelo mundo, o principal responsável por isso é Saul Williams. Rapper, cantor, ator, ativista, o norte-americano de 34 anos estreou nesse cenário lendo seus poemas no Nuyorican Poetry Café, bar cool de Nova York que promove eventos de "open-mic", ou microfone aberto, onde qualquer um pode declamar textos.
Foi lá que o diretor de cinema Marc Levin viu Williams pela primeira vez e o convidou para protagonizar "Slam", filme que ganhou o Grande Prêmio do Júri no Sundance Festival, e a Caméra d'Or, em Cannes, ambos em 1998. Foi lá também que ele foi escolhido para participar do documentário "SlamNation", de Paul Devlin. E foi a partir dessas leituras que Williams travou contato com o bambambã Rick Rubin, que produziu seu primeiro álbum, "Amethyst Rock Star".
Sua carreira inclui ainda o disco "Saul Williams" (2005), o EP "Not in Our Name", protesto contra a Guerra do Iraque; textos publicados no jornal "New York Times"; turnês ao lado das bandas Mars Volta e Nine Inch Nails; e quatro livros. O último, publicado neste ano, é um "testamento" no qual Williams mescla sua biografia com a história de um MC morto.
"Encontrei uma maneira, como numa parábola, para expressar os sentimentos de não ser o autor do que escrevi", contou Saul Williams à Folha. "Chamo isso de "metaficção", que é como usar o surrealismo para contar uma história."

MC morto
"Meu amor pela poesia não aconteceu porque cresci lendo poesia, mas porque cresci com fortes doses de hip hop, e essa é a poesia que me formou e me moldou", escreveu Williams num trecho do livro "The Dead Emcee Scrolls - The Lost Teachings of Hip-Hop" (o pergaminho do MC morto - as últimas lições do hip hop), no qual ele declara a morte do movimento em prosa e poesia.
"O hip hop é competitivo. Todo mundo tem de participar de batalhas e, por isso, acho que os MCs acreditam que é uma fraqueza mostrar vulnerabilidade", diz Williams. "Na maior parte do tempo, os MCs não reconhecem suas fraquezas. Um poeta sabe o poder de reconhecer suas debilidades."
O tema lhe valeu o título de "anti-rapper" no semanário de música inglês "NME", para quem Williams é "o liricista mais quente do mundo."
"Sinto que o hip hop está se transformando da mesma maneira que eu estou. Somos forçados a nos tornarmos mais do que somos", declara o MC.
A transformação passa por rimas sobre bases que não só as do rap, mas, principalmente, do rock, como fez Williams em seu último CD e deve fazer também no próximo, que sai em 2007 com produção de Trent Reznor, do Nine Inch Nails.


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