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Rappers renovam o "spoken word"
MCs levam suas rimas para os saraus; movimento ganha adeptos na Europa
Principal nome da nova cena de poesia falada nos EUA, Saul Williams prefere encontros de literatura às batalhas de MCs
ADRIANA FERREIRA SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
Sempre pronto a experimentar, o hip hop agora flerta com o
"spoken word" e revitaliza um
cenário que, como o rap, tem o
cerne na poesia. O "spoken
word", literalmente, palavra falada, ou declamada, pode ser
comparado ao que, no Brasil,
ocorre nos saraus -reuniões
que atraem músicos, escritores,
poetas, atores ou apenas interessados em recitar textos.
Os escritores beatniks Allen
Ginsberg e Jack Kerouac, por
exemplo, tinham o hábito de
participar desse tipo de encontro. Também artistas como
Laurie Anderson, Jim Morrison, Patti Smith e Tom Waits
são famosos por proclamar textos, tanto em shows quanto entremeados com músicas.
A novidade nessa antiguíssima expressão artística é a participação de rappers, como Mos
Def e Talib Kweli, em eventos
de "slam poetry", um tipo de sarau norte-americano, no qual o
público escolhe o melhor poeta. O encontro do hip hop com o
"spoken word" estourou nos
anos 90, nos EUA, e hoje já é tema de uma competição nacional (leia sobre as origens no
quadro à esquerda).
A França, segunda maior
produtora de rap do mundo,
tem uma expressiva cena
"slam", com artistas lotando salas de concerto (veja texto nesta página). Também há registros de "slam" na Alemanha,
Reino Unido e Holanda, entre
outros.
No Brasil, o "slam" ainda é
desconhecido, mas os saraus
promovidos pela Cooperifa
(Cooperativa Cultural da Periferia) já são freqüentados por
alguns rappers. Além disso, alguns MCs, como o paulistano
Akin, experimentam recitar
suas rimas ao vivo.
Saul Williams
Se o "slam poetry" se espalhou pelo mundo, o principal
responsável por isso é Saul Williams. Rapper, cantor, ator, ativista, o norte-americano de 34
anos estreou nesse cenário lendo seus poemas no Nuyorican
Poetry Café, bar cool de Nova
York que promove eventos de
"open-mic", ou microfone
aberto, onde qualquer um pode
declamar textos.
Foi lá que o diretor de cinema Marc Levin viu Williams
pela primeira vez e o convidou
para protagonizar "Slam", filme que ganhou o Grande Prêmio do Júri no Sundance Festival, e a Caméra d'Or, em Cannes, ambos em 1998. Foi lá também que ele foi escolhido para
participar do documentário
"SlamNation", de Paul Devlin.
E foi a partir dessas leituras que
Williams travou contato com o
bambambã Rick Rubin, que
produziu seu primeiro álbum,
"Amethyst Rock Star".
Sua carreira inclui ainda o
disco "Saul Williams" (2005), o
EP "Not in Our Name", protesto contra a Guerra do Iraque;
textos publicados no jornal
"New York Times"; turnês ao
lado das bandas Mars Volta e
Nine Inch Nails; e quatro livros.
O último, publicado neste ano,
é um "testamento" no qual Williams mescla sua biografia com
a história de um MC morto.
"Encontrei uma maneira, como numa parábola, para expressar os sentimentos de não
ser o autor do que escrevi", contou Saul Williams à Folha.
"Chamo isso de "metaficção",
que é como usar o surrealismo
para contar uma história."
MC morto
"Meu amor pela poesia não
aconteceu porque cresci lendo
poesia, mas porque cresci com
fortes doses de hip hop, e essa é
a poesia que me formou e me
moldou", escreveu Williams
num trecho do livro "The Dead
Emcee Scrolls - The Lost Teachings of Hip-Hop" (o pergaminho do MC morto - as últimas lições do hip hop), no qual
ele declara a morte do movimento em prosa e poesia.
"O hip hop é competitivo. Todo mundo tem de participar de
batalhas e, por isso, acho que os
MCs acreditam que é uma fraqueza mostrar vulnerabilidade", diz Williams. "Na maior
parte do tempo, os MCs não reconhecem suas fraquezas. Um
poeta sabe o poder de reconhecer suas debilidades."
O tema lhe valeu o título de
"anti-rapper" no semanário de
música inglês "NME", para
quem Williams é "o liricista
mais quente do mundo."
"Sinto que o hip hop está se
transformando da mesma maneira que eu estou. Somos forçados a nos tornarmos mais do que somos", declara o MC.
A transformação passa por
rimas sobre bases que não só as
do rap, mas, principalmente, do
rock, como fez Williams em seu
último CD e deve fazer também
no próximo, que sai em 2007
com produção de Trent Reznor, do Nine Inch Nails.
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