São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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ARTIGO

Decretos não podem obrigar o público a ver filmes nacionais

Produtores e diretores querem que seus longas fiquem mais tempo em cartaz, mesmo com menos público nas salas; estas, por sua vez, arcam com o prejuízo

Divulgação
Milhem Cortaz, o capitão Fábio de "Tropa de Elite', de José Padilha, o filme brasileiro que atraiu mais público aos cinemas em 2007


LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

O brigar cinemas a exibir filme brasileiro é uma violência do poder público sobre uma atividade privada. É coisa dos anos 70 culpar os exibidores pelos males do cinema brasileiro. Naquele tempo havia até razão para malhar os exibidores que não modernizavam as suas salas. Mas, hoje, depois do cinema, vêm muitas outras mídias de difusão para um filme. Porque não se taxa o faturamento comercial das televisões abertas e por assinatura para um fundo nacional de produção audiovisual?
Nada contra a diversidade e a persistência cultural para se resgatar na população o hábito sadio de ir ao cinema, aprender e se divertir vendo filmes. Mas o governo ajuda os exibidores com muito pouco (adicional de renda apenas para salas de rua, fora de shoppings) e esvazia o seu próprio discurso pela necessidade de se ter mais salas de cinema pelo país. A importação de equipamentos de ponta para projeção, sem similares no país, faz incidir sobre eles 68% de impostos em cascata, federais e estaduais.
Cineastas e produtores pidões querem mais dias de obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros nas salas de cinema. Decretos autoritários podem obrigar a exibi-los. Não podem obrigar o público a seguir essas ordens. E é o que acontece. Não vale comemorar um aumento de 11% de público para filmes brasileiros em 2007 pelo impulso de um ou dois filmes. Cinemas às moscas para a maioria dos outros 52 dias de obrigatoriedade não pagam as contas fixas e mensais das salas. Um filme nacional sem público é prejuízo exclusivo para as salas. Produtores, distribuidores e governo não repartem o prejuízo com os exibidores. Mesmo com salas vazias, as contas iguais de funcionários, aluguéis, impostos, luz, água, seguem sendo apenas dos exibidores. A defesa do cinema brasileiro e independente sem patrocínio das salas torna a atividade ainda mais impraticável.
E, já que produção e distribuição de filmes brasileiros são garantidas com leis de incentivo, porque não expandi-las para toda a cadeia de exibidores? Sugiro a criação de um gatilho de compensações aos cinemas, gerido pela mesma Ancine que determina quantos dias por ano cada sala deve reservar para passar filmes brasileiros. A Ancine sabe qual é a média semanal de espectadores em cada sala do país. Sabe, portanto, dos prejuízos que as salas sofrem com a baixa freqüência de espectadores. Os produtores e diretores querem que seus filmes fiquem mais tempo em cartaz, mesmo com cinemas abaixo de suas médias de freqüência. Mais tempo em cartaz pode aumentar as chances de se ter um boca-a-boca a favor dos filmes. Mantendo-se os filmes brasileiros em cartaz pela segunda e terceira semanas, os exibidores deveriam ser compensados pela Ancine automaticamente com a cobertura dos prejuízos entre a média semanal da sala e a diferença a menos de público. Justo, não?

Carteiras falsificadas
Que tal acabar também com os descontos para estudantes, mais a cascata de carteiras falsificadas que são de envergonhar qualquer cidadão civilizado? Os ingressos imediatamente baixariam aos valores que se pagam hoje pelo meio ingresso. É fácil legislar enfiando a mão no bolso alheio. Porque de novo essa ingerência no universo dos espetáculos, e não nas livrarias, supermercados, farmácias e impostos?
Estudantes, com carteiras fajutas ou não, deveriam ter então desconto em toda a cadeia de consumo. A gravidade dos nossos males parece estar em uma profunda crise cultural. É a mesma crise cultural que faz com que pessoas esclarecidas se sintam à vontade para falsificar carteiras de estudante, para consumir DVDs piratas ou carpintejar barracos em terrenos invadidos. É a mesma crise de valores morais que as afasta do consumo de bens culturais. O país se esbalda na bolha da euforia de consumo. Não parece faltar dinheiro nas calçadas de bares, país adentro, para o consumo da sagrada cervejinha.
A crise cultural vem sim de uma barbárie que se expande há décadas pelo abandono de políticas públicas de educação. Somos sim um país mal educado. E a barbárie, silenciosamente, também faz expandir uma nova realidade cultural.
Cada vez menos pessoas fazem distinção entre um filme brasileiro e estrangeiro. Triunfa no país a cultura dos filmes dublados, para os iletrados que não conseguem seguir legendas. O que será para eles um filme brasileiro? Estão pensando agora em obrigar os cinemas a exibir trailers de filmes brasileiros. Espero não estar inspirando ninguém a pedir a proibição de filmes dublados.


LEON CAKOFF é diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, sócio da distribuidora Mais Filmes e dos cinemas Frei Caneca Unibanco Arteplex e Ig Cine.


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