|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/cinema/"As Mãos"
Religiosidade latente enfraquece biografia
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
O
sacerdote italiano Giuseppe Mario Pantaleo
(1915-1992) radicou-se
na Argentina em 1948. Duas décadas depois, ergueu obra social em González Catán, na província de Buenos Aires, onde
atendeu cerca de 2 mil pessoas
por dia durante mais de 30
anos. Tinha mesmo a capacidade de cura ou ocorria ali outro
fenômeno?
Em "As Mãos", cinebiografia
oficial de Pantaleo, o veterano
diretor Alejandro Doria e o roteirista Juan Bautista Stagnaro
(que assinaram episódios de
"Memória de Quem Fica")
criam uma história que sustenta a primeira hipótese, embora
seu protagonista não tenha certeza disso.
De um lado, a crença nos poderes sobrenaturais de padre
Mario, como era chamado, é
atribuída pelo filme a pessoas
de todas as classes sociais, entre elas Perla Gallardo (Graciela Borges, de "O Pântano") -
que, depois de se acreditar curada por ele, se torna sua assistente e principal apoio na luta
contra acusações de charlatanismo feitas por autoridades e
por ala da Igreja Católica.
De outro, o próprio alvo de
tamanha devoção (interpretado por Jorge Marrale) se mantém o tempo todo cético em relação aos seus supostos poderes. Angustiado pelo peso da
responsabilidade, asmático e
fumante como um humano
qualquer, diz encontrar forças
para resistir às dificuldades em
nome dos que se sentem amparados por ele.
A ambigüidade não se prolonga muito, entretanto, porque Doria e Stagnaro parecem
decididos, curiosamente, a ir
contra o que pensa o padre Mario de seu filme. Não chegam a
tratá-lo como santo, mas se
aproximam disso, com o uso de
elementos dramáticos (em especial, a trilha sonora) que sugerem haver ali um caráter sobre-humano.
Tamanho envolvimento não
gera uma homenagem realizada por admiradores, mas por
devotos, o que também se explica pela participação, nas filmagens, de responsáveis por
administrar a herança de Pantaleo, incluindo Perla Gallardo.
A religiosidade latente, além de
incomodar o espectador que
não esteja disposto a comprá-la, termina por enfraquecer os
aspectos sociais e políticos do
biografado.
AS MÃOS
Direção: Alejandro Doria
Com: Graciela Borges, Jorge Marrale e Duilio Marzio
Produção: Argentina/Itália, 2006
Onde: estréia no Reserva Cultural
Avaliação: regular
Texto Anterior: Exibidor reage à meta de cineastas Próximo Texto: Última Moda - Alcino Leite Neto: O novo desejo de Jennifer Índice
|