São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Crítica/cinema/"As Mãos"

Religiosidade latente enfraquece biografia

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

O sacerdote italiano Giuseppe Mario Pantaleo (1915-1992) radicou-se na Argentina em 1948. Duas décadas depois, ergueu obra social em González Catán, na província de Buenos Aires, onde atendeu cerca de 2 mil pessoas por dia durante mais de 30 anos. Tinha mesmo a capacidade de cura ou ocorria ali outro fenômeno? Em "As Mãos", cinebiografia oficial de Pantaleo, o veterano diretor Alejandro Doria e o roteirista Juan Bautista Stagnaro (que assinaram episódios de "Memória de Quem Fica") criam uma história que sustenta a primeira hipótese, embora seu protagonista não tenha certeza disso. De um lado, a crença nos poderes sobrenaturais de padre Mario, como era chamado, é atribuída pelo filme a pessoas de todas as classes sociais, entre elas Perla Gallardo (Graciela Borges, de "O Pântano") - que, depois de se acreditar curada por ele, se torna sua assistente e principal apoio na luta contra acusações de charlatanismo feitas por autoridades e por ala da Igreja Católica.
De outro, o próprio alvo de tamanha devoção (interpretado por Jorge Marrale) se mantém o tempo todo cético em relação aos seus supostos poderes. Angustiado pelo peso da responsabilidade, asmático e fumante como um humano qualquer, diz encontrar forças para resistir às dificuldades em nome dos que se sentem amparados por ele. A ambigüidade não se prolonga muito, entretanto, porque Doria e Stagnaro parecem decididos, curiosamente, a ir contra o que pensa o padre Mario de seu filme. Não chegam a tratá-lo como santo, mas se aproximam disso, com o uso de elementos dramáticos (em especial, a trilha sonora) que sugerem haver ali um caráter sobre-humano.
Tamanho envolvimento não gera uma homenagem realizada por admiradores, mas por devotos, o que também se explica pela participação, nas filmagens, de responsáveis por administrar a herança de Pantaleo, incluindo Perla Gallardo. A religiosidade latente, além de incomodar o espectador que não esteja disposto a comprá-la, termina por enfraquecer os aspectos sociais e políticos do biografado.


AS MÃOS
Direção:
Alejandro Doria
Com: Graciela Borges, Jorge Marrale e Duilio Marzio
Produção: Argentina/Itália, 2006
Onde: estréia no Reserva Cultural
Avaliação: regular



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