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Chico Mendes ganha palco londrino
Sucesso de público, peça "Amazônia" gira em torno das idéias do ambientalista e está em cartaz até janeiro na Inglaterra
Espetáculo tem cenário de Gringo Cardia e direção do britânico Paul Heritage,
que visitou a cidade de Xapuri, no Acre, oito vezes
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
O homem de bermuda apertada, camisa xadrez de manga
curta, bigode e boné vermelho
virado para trás abre a camisa e
revela as cicatrizes dos três tiros no peito: "I am Chico",
apresenta-se o fantasma, para o
incrédulo fazendeiro. "Mas não
pode ser, você está morto há 20
anos, ninguém lembra mais de
você, de suas idéias", diz o coronelzinho, em inglês.
É em torno das idéias do líder
seringueiro e ambientalista
Chico Mendes (1944-88) que
gira a fábula politicamente correta "Amazônia", em cartaz em
Londres até o final de janeiro e
um dos maiores sucessos da
temporada de Natal.
O espetáculo tem apenas um
brasileiro no elenco (Diogo Sales, que se reveza nos papéis de
boi e de boto) e reúne um caldeirão de tradições do folclore
nacional, como a quadrilha, o
boi-bumbá, cobras gigantes e o
boto que surge do rio à noite
para seduzir jovens mulheres.
A sucessão de referências pode provocar certo estranhamento, mas Gringo Cardia, artista visual responsável pelo cenário, defende a idéia. "A gente
sempre fala de antropofagia
brasileira, por que não antropofagia inglesa, pelos olhos deles?", diz Cardia -ele está
atualmente em Montréal, onde
prepara com Deborah Colker o
novo espetáculo do Cirque du
Soleil, previsto para maio de
2009. "Eles juntaram de uma
maneira muito inteligente e foram pesquisar antes", afirma.
A pesquisa ficou a cargo do
diretor e co-autor Paul Heritage, que viajou oito vezes a Xapuri (AC), terra de Mendes, e a
Rio Branco nos últimos dois
anos. "Eu não conhecia nada",
disse, depois de uma apresentação no início de dezembro.
Antes disso, Heritage foi ao
Brasil em 1991 para dar aulas
sobre Shakespeare, trabalhou
durante 15 anos montando peças em penitenciárias e favelas
no Brasil e hoje tem uma sólida
parceria com o AfroReggae.
Tradições culturais
O enredo gira em torno de
uma quadrilha de festa de são
João em uma fazenda no vilarejo de Todos os Santos, no meio
da Amazônia. Se o boi não dançar o bumba-meu-boi, o ano será ruim, "sem a bênção de São
João". A fábula liga a proteção
da floresta, as tradições culturais e a vida das comunidades
locais, em contraponto com a
ganância da criação do gado e
da plantação da soja que avançam à custa da destruição.
"Tradição é o que sobrou para os turistas verem", diz Ricardo, sobrinho do dono da fazenda, que veio "da universidade".
O cenário de Cardia tem uma
árvore no meio do palco, em
formato de arena, em que o público fica distribuído ao redor, e
um minilago. "Desde o começo,
queria que fosse arena, para ter
a floresta você precisa invadir o
público. Demora para os atores
aproveitarem o cenário, tem
bem menos tempo para ensaiar."
A trilha sonora é responsabilidade de um trio de músicos
brasileiros: Felipe Karam, Anselmo Netto e Gui Tavares.
Principais alvos do musical,
as crianças são as mais empolgadas pela peça, em que água
espirra na platéia e Chico Mendes se veste praticamente de
espantalho em certo momento.
"Queria fazer para um público dos sete aos 70 anos, para
funcionar para todos. Não tenho vergonha de dizer que é essa força cultural que vai salvar o
planeta", diz Heritage. "A peça
é para a criançada, essa geração
que vai comandar o mundo",
completa Cardia.
A peça fica em cartaz até 24
de janeiro no Young Vic, um
teatro londrino conhecido por
abrigar produções de Natal ousadas e diferentes, e tem ingressos por 22,50 libras (cerca
de R$ 85). Não há planos de levar a montagem para o Brasil.
"Um gringo não pode levar uma
coisa brasileira para o Brasil, fica esquisito", diz em seu excelente português Heritage, com
um leve sotaque.
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