São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Chico Mendes ganha palco londrino

Sucesso de público, peça "Amazônia" gira em torno das idéias do ambientalista e está em cartaz até janeiro na Inglaterra

Espetáculo tem cenário de Gringo Cardia e direção do britânico Paul Heritage, que visitou a cidade de Xapuri, no Acre, oito vezes


PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES

O homem de bermuda apertada, camisa xadrez de manga curta, bigode e boné vermelho virado para trás abre a camisa e revela as cicatrizes dos três tiros no peito: "I am Chico", apresenta-se o fantasma, para o incrédulo fazendeiro. "Mas não pode ser, você está morto há 20 anos, ninguém lembra mais de você, de suas idéias", diz o coronelzinho, em inglês.
É em torno das idéias do líder seringueiro e ambientalista Chico Mendes (1944-88) que gira a fábula politicamente correta "Amazônia", em cartaz em Londres até o final de janeiro e um dos maiores sucessos da temporada de Natal.
O espetáculo tem apenas um brasileiro no elenco (Diogo Sales, que se reveza nos papéis de boi e de boto) e reúne um caldeirão de tradições do folclore nacional, como a quadrilha, o boi-bumbá, cobras gigantes e o boto que surge do rio à noite para seduzir jovens mulheres.
A sucessão de referências pode provocar certo estranhamento, mas Gringo Cardia, artista visual responsável pelo cenário, defende a idéia. "A gente sempre fala de antropofagia brasileira, por que não antropofagia inglesa, pelos olhos deles?", diz Cardia -ele está atualmente em Montréal, onde prepara com Deborah Colker o novo espetáculo do Cirque du Soleil, previsto para maio de 2009. "Eles juntaram de uma maneira muito inteligente e foram pesquisar antes", afirma.
A pesquisa ficou a cargo do diretor e co-autor Paul Heritage, que viajou oito vezes a Xapuri (AC), terra de Mendes, e a Rio Branco nos últimos dois anos. "Eu não conhecia nada", disse, depois de uma apresentação no início de dezembro.
Antes disso, Heritage foi ao Brasil em 1991 para dar aulas sobre Shakespeare, trabalhou durante 15 anos montando peças em penitenciárias e favelas no Brasil e hoje tem uma sólida parceria com o AfroReggae.

Tradições culturais
O enredo gira em torno de uma quadrilha de festa de são João em uma fazenda no vilarejo de Todos os Santos, no meio da Amazônia. Se o boi não dançar o bumba-meu-boi, o ano será ruim, "sem a bênção de São João". A fábula liga a proteção da floresta, as tradições culturais e a vida das comunidades locais, em contraponto com a ganância da criação do gado e da plantação da soja que avançam à custa da destruição.
"Tradição é o que sobrou para os turistas verem", diz Ricardo, sobrinho do dono da fazenda, que veio "da universidade".
O cenário de Cardia tem uma árvore no meio do palco, em formato de arena, em que o público fica distribuído ao redor, e um minilago. "Desde o começo, queria que fosse arena, para ter a floresta você precisa invadir o público. Demora para os atores aproveitarem o cenário, tem bem menos tempo para ensaiar."
A trilha sonora é responsabilidade de um trio de músicos brasileiros: Felipe Karam, Anselmo Netto e Gui Tavares.
Principais alvos do musical, as crianças são as mais empolgadas pela peça, em que água espirra na platéia e Chico Mendes se veste praticamente de espantalho em certo momento.
"Queria fazer para um público dos sete aos 70 anos, para funcionar para todos. Não tenho vergonha de dizer que é essa força cultural que vai salvar o planeta", diz Heritage. "A peça é para a criançada, essa geração que vai comandar o mundo", completa Cardia.
A peça fica em cartaz até 24 de janeiro no Young Vic, um teatro londrino conhecido por abrigar produções de Natal ousadas e diferentes, e tem ingressos por 22,50 libras (cerca de R$ 85). Não há planos de levar a montagem para o Brasil. "Um gringo não pode levar uma coisa brasileira para o Brasil, fica esquisito", diz em seu excelente português Heritage, com um leve sotaque.


Texto Anterior: Ferreira Gullar: Por falar em 1968
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.