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TELEVISÃO
Concentrado na década de 60, o cineasta apresenta cenas inéditas da vida do astro da música americana
Lente de Scorsese redimensiona Dylan
em documentário
ALEXANDRE MATIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Imagine se João Gilberto virasse
um Chico Buarque tropicalista,
como se o herói de uma música
"refinada" e "adulta" se virasse
para as guitarras da jovem guarda
e dissesse que aquilo era o futuro
de sua carreira. A comparação é
forçada, mas basta ver a reação
dos antigos fãs de Bob Dylan ao
sair de seu concerto elétrico em
maio de 1966 e compará-lo com o
esgar permanente de MPBistas a
termos como "rock" ou "pop".
Ao canalizar sua veia criativa na
força juvenil dos Beatles, Dylan
não apenas deixou a repetitiva cena folk para a história como ampliou seu alcance e importância.
Não dá nem para tentar comparações sobre o outro lado da câmera. Enquanto Dylan pode ser
descrito como o híbrido mutante
do início do texto, melhor evitar
achar o que significaria, num parâmetro brasileiro, um dos principais momentos desta carreira ser
revisto pela lente cada vez mais
classuda de Martin Scorsese. Mais
do que a primeira e mais importante parte da história do principal compositor vivo dos EUA pela
lente do autor de "Touro Indomável" e "Taxi Driver", "No Direction Home" (que o Telecine Premium exibe amanhã às 23h40) é a
dança perfeita entre dois mestres
da manipulação -e o resultado é
um dos melhores documentários,
não apenas sobre rock, não apenas sobre música, já feitos.
Dividido em duas partes, o filme do ano passado mostra como
Robert Zimmerman saiu de uma
cidade do interior para se tornar
Bob Dylan, o Messias da geração
folk do Village nova-iorquino. A
primeira parte vem repleta de vasto material audiovisual inédito
sobre o cantor, e o diretor recria
geneticamente a persona Dylan,
comparando maneirismos de
suas influências confessas
(Woody Guthrie, Hank Williams,
Billie Holliday) com o jogo de cena adotado após ser descoberto.
Mas é na segunda parte que está
o filé mignon, quando o compositor, encurralado com o título de
voz de sua geração, puxa um cavalo-de-pau na própria história e
abraça o rock'n'roll como estética, ideologia e válvula de escape.
Assume as rédeas de sua vida,
ciente das responsabilidades e
conseqüências, sem rumo, mas livre. Dylan não tinha nada a perder. Não faltam imagens raras,
entrevistas inéditas, apresentações históricas, sobras de filmes
da época, em especial da turnê entre 65 e 66, boa parte registrada
pelo documentarista para o também clássico "Don't Look Back",
de 1968 (cenas coloridas!). Há até
o célebre momento em que, numa apresentação com a banda
elétrica em Manchester, um espectador chama Dylan de Judas
antes de uma rendição agressiva
de seu clássico central, "Like a Rolling Stone", do qual saiu o título
do documentário.
O crescendo dramático imposto
por Scorsese em qualquer um de
seus filmes ganha um enredo perfeito e uma coleção de imagens
preciosas, que o deixam confortável para recriar os anos 60 norte-americanos usando Dylan como
linha mestra. O resultado é mais
um capítulo da história dos EUA
contada por um de seus mais hábeis narradores. "No Direction
Home" faz parte do mesmo novo
Scorsese que se reinventa como
historiador e esteta. Está para os
anos 60 como "O Aviador" está
para a Segunda Guerra Mundial e
"Gangues de Nova York" para a
virada do século 18 para o 19.
Mas ao terminar o filme no mítico acidente de moto que tirou
Dylan de circulação por oito anos
em 66, o diretor suspende a tensão no ar, quase que matando seu
personagem. Não precisa ser
"dylanólogo" para saber que
Scorsese pára um pouco antes do
território mais fértil e sagrado do
compositor, quando ele e a Band
viram as costas para o "Verão do
Amor" para gravar sua própria
lenda, recontando a história musical dos EUA nas ainda oficialmente inéditas Basement Tapes. E
caso Scorsese venha a concluir
seus anos 60 fazendo uma segunda parte sobre este período... Melhor guardar os superlativos para
quando (e se) isso sair.
No Direction Home
Onde: Telecine Premium
Quando: amanhã, às 23h40 (reprise na
quarta, às 11h10)
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