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NELSON ASCHER
Os grilhões que nos forjaram
Gente que faz carreira política raramente merece respeito, e disso a maioria cínica sabe
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MUITOS ACREDITAM na bobagem segundo a qual, a partir dos anos 70/80 e, sobretudo, após 1989, o mundo se democratizou. Qual a prova que dão? Quase sempre a de que há mais eleições
do que antes, na América Latina,
Ásia, Europa Oriental. Como se democracia equivalesse a/ou dependesse de representantes eleitos.
Gente que faz carreira política raramente merece o respeito dos demais, e disso a maioria maduramente cínica sempre soube. Quem, além
de ambição, tem talento estuda medicina, engenharia, "business" (embora essa "disciplina" se aprenda
mesmo na prática), abre sua própria
firma, negócio ou banco etc.; dedica-se, enfim, a atividades produtivas.
Que os políticos sejam em toda
parte alvo de piadas advém de uma
avaliação sóbria da realidade. A democracia recorre a essa casta apenas
porque fazê-lo costuma, entre alternativas péssimas, ser a menos ruim.
O Estado é inevitável? Talvez seja
melhor, então, delegá-lo a medíocres que se contentem com um reflexo do poder acompanhado de gorjetinhas e títulos altissonantes. A alternativa é deixar espertalhões usarem sua posição para pilhar fortunas
e/ou monopolizar o poder.
Por via das dúvidas, alternância
no governo é mais importante do
que eleições. Hugo Chávez foi eleito,
mas o que conta é que ficará onde está até morrer (como Fidel) ou ser
morto (como Saddam). Iasser Arafat, por exemplo, elegia-se quando e
quantas vezes desejasse. A única forma que houve de levá-lo a soltar o
osso foi confiá-lo aos cuidados estatizados da medicina francesa. Um
dos pressupostos reais da democracia é que a população não só possa
como também se livre periodicamente de líderes "providenciais".
O que se vê no mundo atual é um
processo de "desdemocratização",
de estrangulamento das oportunidades democráticas que se enraízam no começo da industrialização,
ou seja, da modernização planetária.
Mas que democracia é essa?
É a que importa, aquela cujo fundamento está na vida material, nas
possibilidades de fartura criadas pela ciência aliada ao mercado, que é a
democracia econômica. Pois, em última instância, liberdade é dinheiro
no bolso. E, se não é necessário ser
rico para se optar pela democracia,
é, sim, necessário escolher, ou melhor, lutar por um modelo que, libertando talentos individuais, incentivando a competição (com regras:
poucas, mas claras) de todos com todos, oferecendo chances de sucesso
associadas aos riscos responsavelmente assumidos de fracasso, propicie a fartura num futuro antes próximo que distante.
Esse é o solo do qual a democracia
pode nascer. Sempre haverá fracassados crônicos, perdedores irrecuperáveis. Mas são minoria (marxistas os chamam de "lúmpenproletariado") e jamais comprometem as liberdades dos outros. Em países saudáveis, como os Estados Unidos,
eles se agrupam em "partidecos"
marginais de esquerda ou direita e
derrubam ocasionalmente um arranha-céu, mas não conquistarão
nunca posições influentes.
Quando a grande massa é pobre,
porém, seus membros se sentem
tentados a vender um porvir de homens livres por um prato de lentilhas. Se vivem em países onde há
eleições, vigaristas confiscarão, com
sua anuência, os bens e o dinheiro
alheio, abocanharão uma comissãozinha de 95% e, com o restante,
comprarão direta ou indiretamente
seus votos cativos.
Quem vende votos em troca de
uma migalha imediata da pilhagem
estatal já tem um pé na escravidão,
essa, aliás, a condição normal da humanidade entre a aurora do neolítico e o surgimento do capitalismo industrial, que substituiu a força motriz dos músculos animais e dos humanos animalizados pela energia
dos combustíveis fósseis.
Isso tudo foi demonstrado no século 20 pelas rebeliões contra o novo contrato social da modernidade.
Que eram nazismo e comunismo se
não tentativas violentas de restaurar o sistema escravocrata? Fossem
só os candidatos a senhores de engenho ou capatazes que tivessem
apostado naqueles movimentos,
derrotá-los teria sido fácil. Sucede
que escravos potenciais também
sentiam falta das correntes.
A rebelião antimoderna foi derrotada tática, não estratégica e definitivamente. Os demagogos seguem
convencendo invejosos e pobres (às
vezes, só relativamente pobres, isto
é, menos abastados que os mais
afluentes) de que sua situação é culpa dos outros, dos bem-sucedidos
que teriam roubado quanto, por direito, lhes pertence. Embalada num
vale-refeição e traduzida como "justiça social", esta vigarice, que nunca
foi de fato embora, está de volta.
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