São Paulo, terça-feira, 29 de janeiro de 2008

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'Um jantar na Fiesp resolveria o Masp'

Um dos principais curadores do país, Paulo Herkenhoff chama a direção do museu de arte paulistano de "impermeável", diz que há censura no MinC e que o Ministério Público deveria ser mais atuante na preservação do patrimônio cultural do país

Marcelo Soares/Folha Imagem
O curador e crítico de arte Paulo Herkenhoff no Paço das Artes, em São Paulo

MARIO GIOIA
SILAS MARTÍ DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Lygia Clark morreu, em 1988, Paulo Herkenhoff, na época curador do MAM-RJ (Museu de Arte Moderna do Rio), teve 12 horas para conseguir uma Kombi e levar tudo que pôde da casa dela para o museu. Lá ele se debruçou por dois anos sobre o espólio da artista, reuniu suas obras, mandou restaurá-las e pôs em ordem suas memórias.
Essa visão da arte como algo a ser resgatado, em um país em permanente crise institucional nessa área, sempre marcou a trajetória de Herkenhoff. Ele é um dos principais críticos de arte e curadores do Brasil -esteve à frente da mais marcante Bienal de São Paulo recente, a 24ª edição da mostra, dedicada à antropofagia, em 1998, que recebeu rasgados elogios da crítica internacional, e foi curador-adjunto do Departamento de Pintura e Escultura do MoMA, em Nova York. Um dos curadores da exposição "Brasil: desFocos (O Olho de Fora)", em cartaz no Paço das Artes, em São Paulo, Herkenhoff recebeu a Folha para uma conversa de duas horas.
Ele ataca a direção do Masp, "impermeável", e diminui o problema financeiro do museu, que poderia ser resolvido "num jantar na Fiesp". O curador ainda classifica a atual direção do Departamento de Museus e Centro Culturais do Ministério da Cultura como "stalinista" e acusa o órgão de censura em diversas ocasiões. Também critica a legislação fiscal brasileira e o Ministério Público em relação ao patrimônio cultural.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

FOLHA - Você acha que 2007 foi um ano negro para as artes no Brasil, com o furto recente das telas do Masp e o anúncio da Bienal vazia? Existe uma crise institucional aí?
PAULO HERKENHOFF -
Eu acho que tem duas questões. A gente não pode misturar Masp com Bienal. Eu acho que hoje o Masp tem uma situação absolutamente esquizofrênica. Entre outras coisas -e não estou falando da coleção, que isso seria chover no molhado-, é o mais importante museu privado do país. Isso quer dizer que o Masp surgiu como uma demonstração de possibilidade da burguesia brasileira. Agora, será que essa possibilidade dependia do grande burguês Assis Chateaubriand? Não existe mais essa burguesia? Essa burguesia só é capaz de destruir? Nos anos 50 alguns construíam; recentemente alguns destroem. É o caso do incêndio do MAM, no Rio, em 78, e o caso da Bienal. Temos uma sociedade civil totalmente contrária a essa administração, entendendo que não pode continuar assim. Houve equívocos, que não são aceitáveis, e, ao mesmo tempo, vemos uma direção absolutamente impermeável. É isso, não é? Me dá uma sensação de um Getúlio Vargas em sua torre.
A minha pergunta é a seguinte: onde está o nó? O nó para mim não é dinheiro. Se o Masp deve R$ 5 milhões, é pouquíssimo. Se o Masp deve R$ 14 milhões, para uma cidade como São Paulo, é pouquíssimo. Se o Masp devesse R$ 30 milhões, numa cidade como São Paulo, seria pouquíssimo. Quer dizer, num jantar a Fiesp resolveria o Masp. Existem seguramente em São Paulo 200 empresários, 300 empresas, que podem dar R$ 1 milhão pela Lei Rouanet ou por uma lei especial que se faça para resolver essa situação. É muito simples.

FOLHA - O furto das telas então foi o ápice dessa crise?
HERKENHOFF -
Não precisaria o roubo de São Paulo. Quando roubaram no Rio o único Salvador Dalí, um dos quatro Matisses, um dos três Monets e um dos cinco Picassos em museu público no Brasil [as telas foram roubadas do Museu Chácara do Céu, no Rio de Janeiro, em 2006], não se discutiu direito, o Rio de Janeiro não discutiu. Só se resolve quando roubam? No Rio, a diretora do MAM durante o incêndio virou diretora do Museu Nacional de Belas Artes. Resultado: o museu viveu o tempo todo à beira de um incêndio. E o Ministério Público? Eu estou convocando, como cidadão, o Ministério Público a se preparar tecnicamente para superar a capacidade de articulação da opinião pública de alguns diretores de museus para encobrir sua ineficiência.

FOLHA - A solução para o Masp então estaria fora do Masp? Como resolver o problema de segurança?
HERKENHOFF -
Para mim está fora do Masp. Está fora dessa diretoria. Segurança é uma questão permanentemente inacabada. Não existe segurança pronta. Não depende de dinheiro, depende de um plano. Não existe um projeto de segurança num museu do porte do Masp feito da noite para o dia. Existe um paliativo, mas o problema ainda não está resolvido. O acervo está em risco. A questão para mim é a seguinte: se existiu uma, duas tentativas de roubo ao museu antes, já era para ter pedido reforço policial. Precisou roubar para pedir reforço policial?


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