São Paulo, quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

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Um czar na cultura

Redução dos investimentos em produções artísticas nos EUA faz crescer o lobby pela criação no governo Obama de um cargo equivalente ao de ministro da Cultura

Gabriel Bouys/France Presse
O presidente dos EUA, Barack Obama; o músico Quincy Jones reuniu 200 mil assinaturas em abaixo-assinado por um novo departamento de assuntos culturais

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Sem dinheiro oficial, não há cultura. Ao menos, um certo tipo de cultura, aquela que passa ao largo do consumo de massa da indústria do entretenimento, ainda mais em tempos de crise. Tal máxima, tão presente na realidade da produção desse setor em países como o Brasil e regiões como a América Latina e a Europa, começa a se tornar verdade também nos EUA.
Era questão de tempo para que o derretimento da economia atingisse o mundo cultural norte-americano. Começa a atingir. Em média, as doações a fundações culturais tiveram queda de 30% a 35% em 2008 na comparação com 2007, de acordo com cálculos de Melissa Berman, consultora da Rockefeller Philanthropy Advisors.
"As [fundações culturais] que tinham fundos investidos com Bernie Madoff simplesmente desapareceram", diz Berman, referindo-se ao investidor norte-americano que deu calote de US$ 50 bilhões na praça. Sofrem desde museus, que realizaram cortes entre 5% e 20%, de acordo com levantamento do "Art Newspaper" nos 50 maiores, até orquestras e óperas -para ficar nas grandes, a Metropolitan Opera de Nova York eliminou 10% dos salários; a de Los Angeles reduziu 25% dos gastos; e a de San Francisco diminuiu o número de apresentações.
Mesmo áreas consideradas "à prova de recessão" registram os primeiros golpes, como Hollywood, que viu a bilheteria nos EUA e no Canadá cair de 1,4 bilhão de ingressos vendidos em 2007 para 1,36 bilhão em 2008, e a Broadway. Nesse ambiente, ganha fôlego um projeto da classe artística de criação no governo Obama do cargo de "czar da cultura".
Seria o equivalente norte-americano ao brasileiro ministro da Cultura, um responsável pelo setor com acesso direto ao presidente, inexistente na atual estrutura do Executivo dos EUA. O mais próximo seria o presidente do National Endowment for the Arts (NEA), fundo federal de apoio às artes com orçamento anual de US$ 145 milhões (ou R$ 333 milhões) -o do MinC brasileiro é de R$ 1,35 bilhão. O posto é político, e o sucessor do indicado por George W. Bush ainda não foi anunciado pelo democrata.
Mas não é o suficiente, defendem os representantes de um setor que responde por cerca de 6 milhões de empregos e injeta US$ 167 bilhões na economia dos EUA todos os anos, segundo números do grupo de lobby Americans for the Arts. Um "czar da cultura" cuidaria de assuntos como incluir, no pacote de estímulo econômico de US$ 825 bilhões do governo, uma fatia para a cultura.

Abaixo-assinado
O principal defensor do novo cargo é o músico Quincy Jones, que levou abaixo-assinado com 200 mil nomes ao novo presidente no dia da posse. A ideia foi vista com simpatia pela Casa Branca, e uma decisão deve sair nas próximas três semanas.
Além de mais ligado ao meio cultural do que seu antecessor, o novo presidente é pródigo em "czares". Desde que assumiu, já deu posse a dois, do meio ambiente e da regulação financeira, e fala em mais alguns, entre eles da indústria automotiva e da intervenção econômica.
O pedido de Jones ganhou o apoio de William Ivey, ex-presidente do NEA, que coordenou a área de cultura do governo de transição e avaliou que houve um descuido do setor nos oito anos de Bush. "Se a tarefa [de recuperação] requer a consideração de uma nova agência governamental -um departamento de assuntos culturais com nível ministerial-, que seja", escreveu ele.


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