São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2011

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Historiador tenta desvendar Vespúcio

Britânico Felipe Fernández-Armesto investiga o explorador que terminou por dar seu nome ao continente

Estudioso conta que descrições feitas pelo florentino sobre o Brasil eram "exageradas" e "alucinantes"

SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA

Não se sabe bem quanto do Novo Mundo o florentino Américo Vespúcio (1454-1512) realmente viu em suas viagens, tão deslumbradas e evasivas são suas anotações. Também não é possível precisar que textos atribuídos a ele foram mesmo escritos de seu próprio punho. O navegador que deu nome a este continente tampouco deixou volumosos diários ou cartas suficientes para dar pistas sobre sua personalidade ou de seus reais conhecimentos sobre os oceanos e a cartografia. A mulher que o acompanhou em vida também teve uma trajetória de uma "obscuridade desnorteante", segundo a descrição de Felipe Fernández-Armesto, 60, que acaba de lançar "Américo". Toda essa falta de vestígios já seria suficiente para espantar qualquer historiador. Mas o britânico de ascendência espanhola diz ter se sentido atraído pelo excesso de lacunas deixadas por Américo Vespúcio. Os mitos sobre o homem que começou comerciante e acabou conhecido como especialista em navegação e cosmografia são muitos. Apenas alguns Armesto desmontou. Entre eles, o de que tivesse uma relação próxima demais com a poderosa família Médici -seria só um prestador de serviços. A ideia de que tenha sido um homem muito apaixonado pela ciência também é, segundo Armesto, fictícia. "Sua geração era muito orientada pela magia, ele vivia num mundo que tinha muito de medieval." Leia, abaixo, alguns trechos da entrevista que Armesto deu à Folha.

 

Folha - Como Vespúcio e Cristóvão Colombo (1451-1506) se relacionavam com seu tempo?
Felipe Fernández-Armesto Colombo não estava tão em sintonia com seu tempo como Vespúcio, que tinha se educado entre admiradores de Platão. Apesar de não dominar bem o latim clássico, Vespúcio tinha os fundamentos de uma educação humanística e conhecia as obras de Dante e Petrarca.
O florentino tampouco era tão religioso como Colombo e respirava um ambiente muito mais secular.
É raro Vespúcio mencionar Deus, enquanto Colombo o fazia com frequência, confundindo fantasias com visões supostamente divinas. Tal coisa nunca aconteceria a Vespúcio, que aspirava alcançar a fama, essa deusa secular que os homens do renascimento cultivavam.

O sr. dá muita importância ao papel que a magia exercia sobre Vespúcio. Por quê?
A magia, a alquimia e a astrologia estavam entre os interesses daqueles do círculo de Vespúcio. Entre seus desejos de manipular os astrolábios, de ler as estrelas, de dominar a natureza, de decifrar segredos, vejo aspectos de sua concepção de si mesmo como um dos magos do renascimento, tentando controlar a potência da natureza. Colombo, como homem medieval, queria converter-se num nobre. A Vespúcio, que já era de uma das famílias da aristocracia burguesa florentina, interessava-lhe mais converter-se em mago.

O retrato que o sr. faz de Florença difere do tradicional. Pela sua descrição, a cidade não parece ter sido progressista em termos políticos, morais e artísticos. É necessária uma revisão histórica?
Sim. A Florença renascentista se parece com a Atenas clássica: os inovadores, os científicos, os que rompiam com a tradição eram minorias às vezes perseguidas. Os artistas mais populares do renascimento florentino estavam entre os mais conservadores. Seguiam preponderantes os temas religiosos. Os modelos eram muito mais medievais do que clássicos.

O sr. menciona a importância da "Geografia" de Ptolomeu entre os eruditos de Florença. Vespúcio se deu conta da importância da descoberta do Novo Mundo?
O objetivo de Vespúcio era lograr a altura de Ptolomeu, o maior dos geógrafos da Antiguidade, mas nunca se deu conta da realidade americana. Supunha que as terras do outro lado do Oceano formavam parte da Ásia. Quando insistiu em haver recorrido "uma quarta parte do mundo" não quis dizer o que entenderam seus intérpretes modernos, ou seja, que havia descoberto um quarto continente, mas que viajara a uma quarta parte da superfície do planeta. A abertura da América para os europeus era um acontecimento da máxima importância, reunindo culturas antes inalcançáveis, afetando o equilíbrio de recursos entre a Europa e as civilizações da Ásia. Mas Vespúcio não o sabia, nem podia suspeitar.

Que imagem tinha do Brasil?
As descrições deixadas por ele são exageradas, vagas e deficientes de detalhes. No caso dos indígenas, nos esboça indivíduos fascinantes pelo canibalismo e sexualidade desenfreados, uma imagem não convincente. Por outro lado, nos proporciona detalhes alucinantes sobre o céu, o mar e a terra.

Houve uma rivalidade entre Vespúcio e Colombo?
Colombo não se considerou rival de Vespúcio, mas seu amigo. Vespúcio admirava e tomava suas ideias, mesmo as equivocadas. Eram ambos sonhadores, mentirosos, ambiciosos e charlatães. Mas, ao final das contas, Colombo teve a audácia de atravessar o Atlântico sem grandes perspectivas de voltar e conseguiu mudar o mundo por ter descoberto uma rota que unia civilizações de dois hemisférios. Vespúcio nunca fez nada tão extraordinário. Creio que ele é importante por ser um homem representativo de seu tempo e uma mostra da busca pela glória típica dos grandes exploradores.

AMERICO

AUTOR Felipe Fernández-Armesto
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Luciano Vieira
QUANTO R$ 49 (282 págs.)


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